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D. PEDRO I E A MAÇONARIA

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Todos os estudiosos de nossa história conhecem de sobra o importante papel que a Maçonaria representou nos pródromos da nossa emancipação política. Quase sem exceção, os grandes vultos políticos e militares dessa época estavam filiados às sociedades secretas.  As Lojas de São Paulo e Rio de Janeiro estava por trás das personalidades em evidência. Até membros do clero, a despeito da excomunhão ipso facto pronunciada pelo Papado desde os breves de 1738 e 1751, a elas se achavam filiados.

A atividade maçônica no Brasil vinha se acentuando desde o entardecer do século XVIII. Foi muito silenciosa até 1815, quando se fundou a famosa Loja Comércio e Artes, que funcionou na casa do Dr.  José Joaquim Vahia, na Pedreira da Glória, e, depois, na do Capitão-de-Mar-e-Guerra Domingos de Ataíde Moncorvo, em Niterói.

 No ano de 1816 havia cinco lojas regulares em Pernambuco. Em 1821 montava-se o Poder Maçônico brasileiro no Rio e em 1822 fundava-se, afinal, o Grande Oriente do Brasil, do qual decorreram as duas famosas lojas de Niterói: União e Tranquilidade e Esperança da Vitória. Houve mais em Niterói a Distinta ou Distintiva, que parecia datar de 1821. E, segundo Gonçalves Ledo e José Bonifácio, é de crer que a primeira loja maçônica regular no Brasil foi a Reunião, estabelecida em 1801.

Na sua atuação a prol da independência, a Maçonaria procurou condicioná-la a uma verdadeira transação entre os elementos nacionais conservadores e os mais avançados. Estes queriam logo a república. Aqueles a repeliam. Daí se tomar como base a permanência da dinastia bragantina num império constitucional e democrático. A república viria a seu tempo, como veio, coroando a obra. Tudo se fazia sob o influxo das ideias do racionalismo filosófico lançado ao mundo pela Enciclopédia.

O Príncipe D. Pedro, Regente do Reino do Brasil na ausência do pai, D. João VI, de retorno à Europa, cooperou de bom grado com o movimento que o empurrava para um trono imperial. Mas, pensando servir-se da Maçonaria, a ela é que estava servindo.

A 13 de maio de 1822, o Brigadeiro Domingos Alves Branco Muniz Barreto propôs que a Maçonaria conferisse a D. Pedro o título de Protetor e Defensor Perpétuo do Brasil, para que a dignidade de Regente, emanada do Soberano português, se juntasse outra, outorgada pelo povo. D. Pedro não aceitou a palavra Protetor e ficou somente Defensor Perpétuo. Então, a Maçonaria funcionava na antiga Rua da Ajuda, em casa de Joaquim José da Rocha.

Ali começou a trama para forçar o Principe a ficar no Brasil, desobedecendo ao chamado da metrópole e inutilizando a ação da tropa portuguesa do comando do General Avilez. O Fico foi a porta aberta para o grito de “Independência ou Morte!”. Quando D. Pedro seguiu para o interior, a conquistar o apoio de Minas e S. Paulo, a Maçonaria decidiu recebe-lo no seu seio e dar-lhe o malhete de Grão-Mestre. Na mesma noite do seu regresso da Paulicéia, tomou posse do cargo. Fora, sem dúvida, José Bonifácio quem cuidadosamente o guiara até o seio da Loja. Era ele, então o Grão-Mestre em exercício.

Tomou o Imperador como maçom a alcunha ou nome de guerra de Guatimozim. Iniciado como aprendiz, em oito dias galgava todos os graus até o último. E Menezes de Drumond conta que, no dia da sua aclamação, o Imperador se achava rodeado de todos os irmãos trazendo armas ocultas.

Mesmo antes de proclamada a independência e de se instituir o Império Brasileiro, formaram-se no seio da Maçonaria duas forças rivais, a de Gonçalves Ledo e a de José Bonifácio. Este dirigia os mais conservadores; aquele os mais liberais, os mais avançados. Girondinos e Jacobinos. Por isso o Patriarca deixou o Grande Oriente e fundou o Apostolado ou Nobre Ordem dos Cavaleiros de Santa Cruz. D. Pedro foi eleito seu Arconte-Rei e José Bonifácio Cônsul. Ambos prestaram Juramento a 22 de junho de 1822.

O Imperador, como se vê pertencia às duas facções maçônicas e procurou navegar entre elas sem choques bruscos. Todavia a de Ledo exigiu dele o juramento prévio da Constituição que se iria votar. D. Pedro rebelou-se e, assomado de gênio como era, mandou na qualidade de Grão-Mestre a Gonçalves Ledo a seguinte prancha: “Cumprindo fazer certas averiguações públicas como particulares na Maçonaria, mando primo como Grão-Mestre que os trabalhos da maçonaria se suspendam até segunda ordem minha. É o que tenho a participar-vos agora. Resta-me reiterar os meus protestos como irmão. Pedro Guatimozin, Grão-Mestre.”

Seco e expressivo, Ledo submeteu-se, mas lançou a Marquesa de Santos contra José Bonifácio. O Imperador, numa noite chuvosa, à frente de 50 soldados do Regimento de Artilharia Montada, entrava na sede do Apostolado, na Guarda Velha, onde hoje fica o Tabuleiro da Baiana, fechava o Templo e mandava carregar os arquivos para lugar seguro.

A luta entre o soberano e as facções maçônicas continuou daí por diante sem remissão até a queda de Sua Majestade na madrugada de 7 de abril de 1831, provocada por aqueles mesmos liberais exaltados que já pensavam em república.  Um de seus jornais dizia nessa ocasião estas palavras significativas: “O perjuro abdicou. Devemo-lo deixar partir em paz, podendo ele colher livremente os frutos das traições cometidas contra nós.”

Chegaram até nossos dias as insígnias maçônicas usadas por D. Pedro I. Estão guardadas no Museu Histórico, ao qual foram doadas pela Viscondessa de Cavalcanti, cujo marido, um dos estadistas do Império, as conservava com maior carinho. São as seguintes: faixa bordada a seda e ouro com águia bicéfala de Cavaleiro Kadosch como pendente; avental de Grão-Mestre com a figura do Templo à sombra da Acácia; Malhete de sinais de bronze dourado, com o nome do Imperador gravado em relevo; finíssimo espadim de lâmina de Toledo e punho de latão dourado e filigranado.

Ao lado dessas preciosas relíquias, há uma outra encontrada nos desvãos do Paço de S. Cristóvão, quando o mesmo foi entregue ao Museu Nacional. Trata-se dum gládio maçônico grande e forte, de punho singelo e bainha de veludo vermelho. É de supor tenha pertencido também a D. Pedro I, de vez que D. Pedro II nunca fez parte, que se saiba, de qualquer sociedade secreta. Talvez seja o gládio de Arconte-Rei no Apostolado.

Tais peças recordam aos brasileiros de hoje o papel representado junto à Maçonaria pelo Imperador D. Pedro I, Guatimozin e Arconte-Rei ao mesmo tempo.

 Texto de Gustavo Barroso, em Segredos e Revelações da História do Brasil. Edição do Senado Federal em 2013.