Por Tamires Peixoto
Durante o desenvolvimento de uma pesquisa doutoral, Edmacy Quirina ouviu uma criança negra de cinco anos se autodeclarar como branca escura. A professora, ligada ao Departamento de Ciências Humanas, Educação e Linguagem (Dchel), no campus de Itapetinga, desenvolve, desde 2012, um estudo sobre as relações étnico-raciais na Educação Infantil, especificamente nas pré-escolas e creches municipais de Itapetinga. Em 2017, resolveu ampliá-lo e transformá-lo em projeto de pesquisa. Atualmente, o projeto está em andamento sob sua coordenação e a participação de duas discentes do curso de Pedagogia.
As noções de representatividade e autorrepresentação estão sendo estudadas por Quirina no âmbito escolar. Ao longo dos quatro anos do doutorado, a professora fez o levantamento de mais de dez instituições de Educação Infantil no município de Itapetinga com o objetivo de observar como as crianças, no contexto da educação infantil, se identificavam em relação à raça e à cor. Segundo ela, a educação ainda se molda na lógica eurocêntrica, sendo a ordem normativa do branqueamento uma determinação nos padrões de identificação e autoidentificação.
A pesquisa aprecia duas linhas de discussão: a análise das imagens ilustrativas afixadas nas escolas (como figuras infantis nas salas, corredores etc) e os discursos produzidos pelas crianças e professoras a partir dessas imagens. “O preconceito racial circula entre campos, como a pedagogia, através de livros didáticos, meios de comunicação de massa e figuras que compõem o contexto escolar. Vimos o contraste entre as imagens expostas nas portas dos banheiros – crianças loiras e brancas – e o grupo étnico-racial ao qual pertencem as crianças pesquisadas”, salienta Quirina.
Conforme observa a professora, as práticas preconceituosas e racistas aprendidas e internalizadas que compõem o espaço escolar tornam-se “naturais”. Esse cenário interfere na autorrepresentação das crianças, que enxergam o ser branco como superior; isso ficou claro nas respostas delas ao se autodeclararem como “branca escura”, “vermelha” e “marrom”. Até mesmo os professores tiveram resistência em se autodeclararem negros, inclusive, um deles chegou a dizer que excluía a cor marrom das ilustrações da escola pois a achava “feia”.
Educação Étnico-racial – Quirina esclarece que, apesar de existir leis que regulamentam o ensino étnico-racial nas escolas, há, ainda, uma discussão pontual, apenas em datas comemorativas e de maneira folclorizada. Ela explica que a Lei 10.639/2003 estabeleceu diretrizes e bases para o ensino da cultura negra direcionado às escolas. E a Lei 11.645/2008 incluiu no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e cultura afro-brasileira e indígena”. Tanto as leis como os parâmetros curriculares nacionais apontam para a obrigatoriedade de abordar a temática em todas as disciplinas do currículo da Educação Básica e de maneira contínua. No entanto, conforme Quirina, isso não ocorre nas escolas pesquisadas por ela.
A pretensão da docente é, futuramente, tornar a pesquisa um projeto de extensão, com o intuito de promover uma formação continuada com os professores a respeito da educação étnico-racial. Quem tiver interesse em se aprofundar no assunto, a tese de Quirina está no repositório da Universidade Federal de São Carlos e pode ser acessada aqui.