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A crise e a cueca

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“O que estamos discutindo dentro do Centrão é que precisamos fazer uma reforma que não garanta a reeleição de Bolsonaro. R$ 800 bilhões garantem, de cara, a reeleição de qualquer um. Se dermos R$ 800 (bilhões de reais) como disse ele, significa que nos últimos três anos de governo (na Presidência), há R$ 240 bilhões ao ano para gastar. Eu acho que temos de ter (economia) em torno de R$ 500 bilhões. R$ 600 bilhões seria o limite para essa reforma”. (Dep. Federal Paulinho da Força)

Talvez nunca como nestes dias o pecado original de nossas instituições tenha exibido aos olhos da nação sua face ímpia e impiedosa. O pecado é velho como a República. É original porque nasceu com ela. E é mortal porque, desde então, responde por inextinguível sucessão de crises sociais, políticas e econômicas.

Dou aqui meu testemunho sobre o que vi e vivi em mais de meio século de atenta observação: as crises brasileiras são como as cuecas do cotidiano. Não há dia sem cueca, nem dia sem crise. Estamos sempre com elas, companheiras inseparáveis, a cueca e a crise.

Não vou entrar na chatice técnica da alfaiataria institucional e seus defeitos de costura. Irei direto ao ponto que avulta sob nossos olhos quando o ministro da Economia, um homem que sabe o que diz e não brinca em serviço, afirma que a Economia está no fundo do poço. Sabemos, todos, que para lá deslizam as esperanças dos necessitados, dos desempregados, dos desabrigados e a confiança dos investidores, cuja atividade poderia vir em seu socorro. É a crise.

Claro, o Congresso Nacional poderia – não mais do que isso, “poderia” – acelerar a aprovação de projetos de reforma previdenciária e fiscal que, sabidamente, restaurariam a confiança dos investidores, a credibilidade dos mercados na seriedade da gestão pública nacional. Mas no Congresso Nacional, Paulinho da Força fala pela alma da Casa. É a cueca.

Ao longo de décadas, os problemas fiscais foram empurrados com o umbigo, o endividamento chegou a treze dígitos, pode alcançar R$ 5 trilhões e engolir um PIB inteiro. Mas nada é tão importante quanto a próxima eleição.

O Congresso Nacional, em vez de arregaçar mangas e votar as reformas, se compraz com obstruções e negociações deliberadamente infindáveis, mantendo a velha tradição de preservar dedos, anéis, pulseiras, colares e cofres na Suíça. As exceções, honradas e celebradas exceções, são em número insuficiente para vencer a inércia dos que preferem deixar tudo como está. Para estes últimos, até uma tragédia de porte bolivariano serve contanto que isso lhes viabilize a reeleição, que o COAF fique longe de Sérgio Moro, que se recriem alguns ministérios gastadores e que o sindicalismo militante e partidário preserve suas sinecuras. Tudo sem pressa porque a pressa é inimiga da refeição.

O que descrevi é pecado, é mortal, mas não é o pecado original. O pecado original do modelo institucional brasileiro consiste na irresponsabilidade institucional dos parlamentares. São como engenheiros cujas obras pudessem desabar sobre a cabeça dos outros sem que nenhuma consequência os atinja. Tudo é cobrado do governo ainda que este só possa fazer o que eles permitem. Aconteça o que acontecer, sejam quantos forem os novos desempregados, nada os interessa e preocupa mais do que a próxima eleição.

Há uma multidão de novos congressistas. Foram necessários menos de quatro meses para que muitos, não se sabe ainda quantos, fossem cooptados pela mentalidade irresponsável da Casa. Há, porém, gente da melhor qualidade, aparentemente poucos, em cujo exemplo e trabalho repousa parte da nossa confiança e esperança.

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