Lei que flexibiliza relações privadas visa dar estabilidade jurídica enquanto durar a crise pelo novo coronavírus
Sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 12 de junho, a Lei 14.010, que cria um regime jurídico especial enquanto durar a pandemia do novo coronavírus, altera diferentes normas do direito privado. Entre as regras que o texto modifica estão as relações entre condôminos e de consumo, direito de família e contratos, por exemplo.
A lei que flexibiliza relações jurídicas privadas é de autoria do senador Antonio Anastasia. Segundo ele, o objetivo com a proposta é “atenuar as consequências socioeconômicas da Covid-19, de modo a preservar contratos e servir de base para futuras decisões judiciais.”
Segundo Luiz Viana Queiroz, vice-presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), a nova lei contribui para dar estabilidade para as relações jurídicas. “As regras eliminam dúvidas, prorrogam e suspendem prazos e trazem um pouco mais de garantia da estabilidade, garantia jurídica, nesse período tão conturbado de pandemia e de isolamento social”, avalia.
Mudanças
O texto aprovado estabelece que a prisão por atraso de pensão alimentícia será exclusivamente domiciliar até 30 de outubro. Após esse período, quem não pagar a pensão vai estar sujeito ao que determina o Código Civil: prisão em regime fechado pelo prazo de um a três meses.
As regras que regem as relações de consumo também tiveram alterações. Até a mesma data está suspensa a aplicação do direito de arrependimento. Agora, o consumidor não pode desistir da compra pelo prazo de sete dias nas entregas em domicílio (delivery) de produtos perecíveis, de consumo imediato e medicamentos. No entanto, para os demais produtos, como os eletroeletrônicos, o direito de desistência continua valendo.
Sempre tema polêmico, as relações em condomínios residenciais têm novas regras. A assembleia vai poder ocorrer, em caráter emergencial, por meios virtuais, mas só até 30 de outubro. A permissão vale, inclusive, para que os moradores possam votar itens da pauta, como as contas.
A lei também prevê que os síndicos que tiveram o mandato vencido a partir de 20 de março poderão continuar à frente do posto até 30 de outubro, caso uma nova eleição não seja possível. Assembleias e reuniões em sociedades comerciais estão permitidas à distância, mesmo que o estatuto da empresa não o preveja.
Para Viana, dois grupos se beneficiam mais com as medidas aprovadas: “aqueles que são os devedores de pensão alimentícia, porque a determinação é de que a prisão seja domiciliar. Acho positivo, nesse momento de pandemia, que as pessoas sejam presas em regime domiciliar. E, também, as empresas que vendem por delivery. A medida incentiva as mesmas a fazerem essas entregas.”
Outras alterações
A lei adia, para agosto de 2021, a aplicação das multas e sanções previstas na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Até 30 de outubro, também fica suspenso o prazo de aquisição de propriedade mobiliária ou imobiliária por meio de usucapião entre as alterações importantes, não será considerada infração à ordem econômica vender bens ou serviços abaixo do custo sem justificativa ou parar totalmente as atividades da empresa sem justa causa.
Vetos
Apesar da sanção, o presidente Jair Bolsonaro vetou alguns itens do novo regime. Um deles previa que os síndicos poderiam proibir reuniões em áreas exclusivas dos proprietários. O governo justificou o veto afirmando que a proposta “retira autonomia e a necessidade das deliberações por assembleia, em conformidade com seus estatutos”.
O presidente também vetou um artigo que impedia a concessão de liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo até 30 de outubro. A proposta aprovada pelos senadores previa que o inquilino não poderia ser despejado por dever o aluguel desde o início da pandemia, em 20 de março. Entre as justificativas, o governo alega que o trecho conferia “proteção excessiva ao devedor em detrimento do credor, além de promover o incentivo ao inadimplemento”.
O vice-presidente da OAB reconhece que a lei traz regras “importantes e interessantes”, mas lamenta os vetos por parte do presidente. “Eu diria que os vetos não estão em sintonia com o texto constitucional, mas não vejo uma impossibilidade jurídica para que o presidente realizasse esses vetos em sintonia com a ideologia neoliberal que ele defende”, comenta.
Além disso, a proposta de reduzir em, ao menos, 15% a taxa cobrada dos motoristas pelos aplicativos de transporte (como a Uber, a 99 e o Cabify, por exemplo) e serviços de entrega foi vetada. O argumento é de que a medida viola a livre iniciativa.
Esses e outros vetos do presidente em relação à lei que estabelece o Regime Jurídico Emergencial e Transitório (RJET) voltam para análise de deputados e senadores no Congresso Nacional, que podem retirar as oposições de Bolsonaro.