Em ofício ao ministro do Meio Ambiente, procuradores advertem sobre danos à saúde e rejeitam adiamento de três anos do Proconve, sugerido pelas montadoras
Por MediaLink Comunicação Corporativa
Em meio à pressão da indústria automotiva para adiar por três anos a implementação da nova fase do Proconve (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores), prevista para entrar em vigor a partir de 2022, o Ministério Público Federal (MPF) decidiu se manifestar por meio de um ofício enviado ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e ao secretário-executivo da pasta, Luís Gustavo Biagioni. O texto solicita garantias do governo para que seja mantido o cronograma do programa antipoluição.
Um eventual adiamento da implementação das regras depende de aprovação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que é presidido pelo ministro do Meio Ambiente. No ofício, assinado pelos procuradores da República Fátima Aparecida de Souza Borghi e José Leonidas Bellem de Lima, os representantes do MPF no Conama alegam que “o histórico de inércia e insuficiência na regulamentação e implementação do Proconve, ao menos nos últimos 12 anos, não dá margem para pleitos revisionais que, ao invés de recuperar o tempo perdido, apenas aprofundarão o atraso da legislação brasileira em relação às tendências mundiais”.
A iniciativa do MPF é uma resposta a seguidas manifestações da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores), que defende o adiamento da próxima fase do Proconve para veículos leves e pesados por causa da pandemia do novo coronavírus.
As gestões da indústria automotiva, deflagradas no início do ano, têm sido rechaçadas por técnicos e ambientalistas envolvidos na aprovação da nova fase do Proconve, definida pelo Conama em 2018 — dois anos antes do início da pandemia –, após longo processo de debates e negociações envolvendo a sociedade civil, comunidade científica, poder público e, especialmente, a própria Anfavea.
Na última sexta-feira, dia 7, em coletiva à imprensa online para divulgar resultados da indústria automotiva, o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, afirmou que a entidade não é contra o programa, apenas defende o adiamento da nova fase do Proconve “em dois ou três anos”. A indústria afirma que os cinco meses de pandemia no país prejudicaram testes de desenvolvimento, que, segundo a Anfavea, “continuam em ritmo mais lento para proteção dos profissionais de laboratório e de campo que trabalham nesses projetos”.
No documento, os procuradores citaram estudo do International Council on Clean Transportation (ICTT) mostrando que outros países seguiram o cronograma de seus programas antipoluição mesmo durante a pandemia: “A Índia adotou padrão semelhante ao Euro VI em abril de 2020; a China, por sua vez, programa implantar versão equivalente em 2021; e até na América Latina já há significativos casos de comercialização e substituição das frotas de veículos pesados diesel em conformidade com o Euro VI, como no México e no Chile”.
Os procuradores advertiram para os efeitos do adiamento do programa. “Considerados o marco temporal de 2023, a defasagem nacional – com toda a carga de mortes, internações hospitalares e custos ao sistema de saúde evitáveis, decorrentes da não melhoria, e até piora, da qualidade do ar – será de 9 anos em relação à União Europeia (Euro VI é exigido desde 2014) e de 13 anos em relação aos EUA (legislação equivalente ao padrão europeu válido desde 2010)”, afirmaram.
O documento cita o impacto à saúde pública com um possível adiamento da nova fase do programa: “Toda essa inércia brasileira também pode ser traduzida em termos de vidas perdidas: calcula-se que cada ano de atraso da implementação resultará em 2.500 mortes prematuras da implementação da fase P8 na frota de veículos pesados, tanto sobre a saúde pública quanto pelas perdas econômicas decorrentes das mortes evitáveis.”
O mal do “cheirinho” no posto
O adiamento da implementação da nova fase do Proconve vai agravar um tipo de poluição que a maioria da população desconhece – o causado por vapores que se formam dentro do tanque de combustível e são empurrados para fora quando o bico de abastecimento é acionado pelo frentista no posto de gasolina. Trata-se daquele “cheirinho” típico de postos de combustíveis, mais perceptível quando o veículo está sendo abastecido.
Ele faz parte das chamadas emissões evaporativas, ou simplesmente vaporização. O que poucos sabem é que esses vapores representam uma ameaça para a saúde humana mais de dez vezes superior à que vem do escapamento dos veículos. Medidas importantes, que praticamente eliminam a vaporização e outros efeitos negativos, estão prontas para implantação nos modelos 2022 de veículos leves produzidos no Brasil, a exemplo do que já acontece em outras partes do mundo.
Os requisitos de controle de emissões evaporativas do abastecimento (baseados na tecnologia ORVR – Onboard Refueling Vapor Recovery) serão adotados progressivamente, iniciando com 20% em 2023 e atingindo 100% em 2025. A tecnologia ORVR captura cerca de 98% das emissões de abastecimento — nunca antes controladas no país e que representam o “cheirinho” na hora do abastecimento. Existe um risco elevado de câncer relacionado à exposição ao benzeno presente na gasolina para os atendentes dos postos. Hoje, esse risco é de cerca de 1,33 casos por ano para os cerca de 332.000 atendentes no Brasil, ou seja, é quatro vezes o risco considerado aceitável pelos profissionais da área de saúde pública. Com uma eficiência de controle de 98%, o sistema ORVR poderá reduzir as incidências anuais para 0,03 casos por ano.