Maior agilidade, segurança e facilidade para compra e venda de bens, além de combate ao crime são apontados como pontos positivos. No entanto, maior controle do Estado sobre a vida dos indivíduos põe moeda digital sob desconfiança
Por Felipe Moura|Agência Brasil 61
O Drex, a versão digital do real anunciada pelo Banco Central, pode facilitar o acesso dos brasileiros ao crédito e à realização de transações, como a compra de um veículo ou imóvel, por exemplo. Por outro lado, especialistas disseram ao Brasil 61 que a moeda digital tende a dar ao Estado maior controle sobre a vida das pessoas, o que deve ser observado com atenção.
Raphael Moses, professor do Instituto Coppead da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destaca que o Drex nada mais é do que o real em formato digital. “A diferença entre a versão física e a digital da moeda é só a plataforma”, pontua.
O valor também não muda. Ou seja, um real em espécie terá o mesmo valor de um Drex. Também não se pode confundir o real digital com uma criptomoeda, como o Bitcoin, por exemplo. O Drex será controlado e emitido pelo Banco Central. Já uma criptomoeda tem seu controle descentralizado, sem um gestor principal.
Segundo os especialistas, a tecnologia por trás do Drex vai simplificar, agilizar e baratear operações que fazem parte do dia a dia dos cidadãos, como a compra e venda de um carro. Hoje, esse processo exige idas e vindas ao cartório, banco e órgãos de trânsito. Além do tempo e custo gastos na transação, há insegurança por parte do vendedor e do comprador sobre a operação. Com o real digital, isso muda, diz Moses.
“Com a utilização dos contratos inteligentes – e aí o Drex tem um papel fundamental –, esse processo vai ser praticamente extinto. Tudo vai ocorrer de forma instantânea. Imagina que eu quero comprar o carro e eu tenho Drex na minha conta. Eu faço a transferência do Drex e esse contrato inteligente, ao identificar o pagamento da moeda digital, transfere de forma automática a titularidade do carro para o meu nome. É um processo muito menos custoso e muito mais rápido e diminui a insegurança entre as partes”, avalia.
Especialista em direito digital, Christiano Sobral diz que o Drex pode melhorar o acesso dos brasileiros ao crédito, por exemplo. “O Drex traz muita coisa do contrato inteligente, que é, por exemplo, você poder amarrar um financiamento e lastrear ele em cima de papéis. Você pega o financiamento e bota como garantia os papéis que você tem do Tesouro, por exemplo. E aí, se você não pagar, automaticamente [o banco] já tira do Tesouro”, ilustra.
Rastrear o dinheiro usado para o crime também é uma vantagem do real digital, explica o especialista. “Se você pensar, por exemplo, que circula moeda por conta de tráfico de entorpecentes, compra de armas e coisas do gênero, [com o Drex] você passa a ter um certo controle.”
Preocupação
A chegada do Drex, contudo, não traria só notícias positivas para a população. Há quem olhe com preocupação para o real digital. O principal motivo? A centralização completa das informações financeiras dos cidadãos em uma única instituição. É o que explica Sobral.
“O meu receio é o controle. Da mesma forma que cliques dizem muito sobre você e possibilitam à inteligência artificial construir um perfil seu e te manipular, te colocar numa bolha só te transmitindo aquilo que você gosta e te isolando do resto, o que você gasta dá o mesmo nível de informação ou até mais, fala muito sobre você. A moeda digital do Banco Central dá esse poder de conhecer o cidadão além do normal”, aponta.
O exemplo do Yuan digital – moeda chinesa similar ao Drex – costuma vir à tona para exemplificar como o poder conferido aos governantes com a centralização monetária pode ser prejudicial aos cidadãos. As autoridades chinesas pensaram em testar a imposição de um prazo de validade ao Yuan digital. Ou seja, que o valor expirasse caso não fosse utilizado dentro de um período estabelecido.
O “dinheiro perecível” tornaria possível a um governante estimular a economia por meio do consumo, por exemplo, tirando a liberdade dos indivíduos sobre o próprio dinheiro, alerta Sobral. “No futuro em que todo mundo tivesse moeda digital, essa ferramenta de controle para estimular a economia ou soltar a economia seria muito mais rápida. E aí o governo pode usar como quiser”, lembra.
Para Moses, a preocupação com o controle estatal por meio do Drex é válida, mas ele acredita que o Banco Central pode trabalhar para se autolimitar. “O Banco Central, inclusive, foi bem taxativo nesse sentido de que essa é uma preocupação deles, até para tranquilizar a população de que eles querem continuar sem ter esse controle. O objetivo do Banco Central não é ter o controle do que cada pessoa faz em termos transacionais. O objetivo é apenas facilitar, desburocratizar os processos”, acredita.
Segundo o especialista, a confiabilidade do Drex será fundamental para que o real digital caia no gosto da população assim como o Pix. “Se tiver qualquer dúvida em relação a isso, as pessoas não vão aderir”, completa.