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Gata Preta e Vó Congonha

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Gata Preta é o apelido de José Antonio dos Santos, não se sabe a origem do seu apelido. Filho de Idalina e João Coronel. O casal teve os seguintes filhos: João Coronel Filho, José Antonio dos Santos (Gata Preta), Chico, José Antonio Coronel, Elias, Rinha ou Bidurrinha, Manoel, Zeferino, Julinda. (dados dos informantes).

Gata Preta pelos seus atos e comportamentos era considerado um indivíduo demente, fazia muitas, brincadeiras, gaiatices e presepadas. Por conta disso e da bebida, sofreu várias prisões. Negro retinto, alto, esguio e forte, de boa-fé, vivia perambulando pelas ruas, de casa em casa, prestando serviços como aguadeiro em troca de comida e roupas usadas. Era muito conhecido e querido dos moradores da cidade.

 Pescador, vivia constantemente na beira do rio, não usava anzol para pescar, pegava os peixes nas locas ou empurrando o capim para o barranco e fisgar os peixes. Vendia-os; fazia adobe e outros serviços para sua subsistência. Dizem que quando novo, era exímio dançarino, frequentava festas e a todos respeitava. Não praticava safadeza. Enlouqueceu, ficou demente, mas era uma figura popular, apesar do transtorno mental não prejudicava ninguém. Assustava e metia medo às crianças até por instigação dos pais.

  Neto de Vó Congonha, que segundo o escritor Tiãozito (brumadense) fora registrada com o nome de Joselita Guimarães, respeitada e famosa parteira leiga e única na época em Bom Jesus dos Meiras (Brumado) que aparou muitas pessoas da cidade. O apelido Congonha talvez seja associado a erva do mesmo nome, de muitas propriedades terapêuticas,  inerentes à sua profissão. Não cobrava pelos serviços, mas recebia agrados.  Em sua homenagem a prefeitura nominou uma rua por indicação da vereadora Esther Trindade Serra.  Mãe de Idalina, de Rosa, Hermínia e Placídia (comenta-se que Placídia, doméstica, teve uma filha com um figurão famoso local). Vó Congonha era uma mulher de estatura meã, gorda, seios grandes, autoritária e gozava de muita confiança, querida e respeitada pela comunidade.

 Criava muitas cabras e galinhas, mourou inicialmente no lugar denominado Tanque do Governo, mais ou menos nas imediações da rua que leva o nome de Vó Congonha, uma homenagem ao seu trabalho de parteira. Mudou-se para a rua onde hoje é a residência do senhor Walter Bonfim, ao lado da casa do senhor Beninho. Seguiram-na outras parteiras: Severina Barbosa (D. Seva), Benvinda e outras. Segundo Geonísio, ela ficava sentada em um murundu nas imediações, onde hoje, situa-se o atual Banco do Brasil, quando um menino não lhe tomava a benção, ralhava pela falta de respeito e consideração.

Gata Preta era protegido de Dr. Mario Meira e família, de Cassimiro Azevedo e de Armindo Azevedo. Os Meiras e Azevedos lhe dedicavam afeição. Tratava Dr. Mario Meira como seu igual, sem o distinguir pelo título de formado e o Dr. Respondia: “Procure seu lugar Negro, trate-me de Doutor, não sou seu igual”. Dona Celuta, farmacêutica, filha de Dr. Mário, esposa de Aloisio Castro, era casa que também frequentava e a tratava de mãezinha e, ela o advertia carinhosamente, que não era mãe de negro. O médico Ivan Meira de Castro Gomes, neto de Dr. Mário, comentou que, quando adolescente, cortava o cabelo de GP, mandava-o banhar-se e dava-lhe roupas e no dia seguinte, ele estava todo sujo. Dr. Ivan chegou a medicá-lo quando soube do comprometimento da sua saúde. Tratava Dr. Délio, filho de Dr. Mário, por Délio, na intimidade como se fosse um membro da família e propalava que o doutor era seu “irmão”, por quem tinha muito respeito e consideração.

 Certa feita quando preso ao passar em frente à residência de Dr. Délio, na Praça Armindo Azevedo, gritava para que ele o socorresse e não o deixasse ser preso. Uma vez, determinado indivíduo bêbado, tentou agredir Dr. Délio, então diretor do GGNM e Gata Preta percebendo o fato, botou o elemento para correr.

 Dr. Mario deu-lhe um cômodo, anexo à sua casa, com porta para a rua, hoje, Cel. Tibério Meira, para rancharia, onde viveu por algum tempo e guardou os seus apetrechos.

 Para as pessoas mais abastadas, trazia água da Pedra Vermelha, na serra das Éguas. (água para beber) e para o uso geral levava água para diversas pessoas, do Rio do Antonio, em carotes, conduzidos por um jegue. (nessa época o rio não era poluído).

 Não permitia que pessoas tomassem banho em um poço do Rio do Antonio, que ficou conhecido como poço de Gata Preta, que era destinado a captação de água para uso doméstico. Ele achava que o rio era propriedade sua e afugentava as crianças perturbadoras e adultos que passasse em seu terreiro, fazia caretas e outras estripulias amedrontadoras.

 O irmão João Coronel filho, morador em São Paulo, que se dizia militar, veio para Brumado buscá-lo para tratamento na Pauliceia. Hospedou-se na pensão Primor de seu Dió e dona Blandina, onde também instalou o irmão, deu-lhe roupas novas e viajaram de trem com destino a capital paulista, porém na baldeação em Monte Azul, Gata Preta arrependeu-se da viagem e voltou para Brumado.

 Ele sofreu um derrame facial provocado por um choque térmico, após tomar um café quente, recebeu uma rajada de vento e ficou com sequelas – a boca torta e sofria também de Mal de Parkinson.

 Depois da morte de Dr. Mário, desapareceu da cidade, botou uma roça na beira do rio e a cercou com garranchos. Construiu um barraco de adobe, no morro do Andu, na Cavalhada, na beira do rio, para moradia, um cômodo imundo, sem nenhum conforto, dormia no chão ou num improvisado colchão ao lado de uma pequena fogueira, certamente para se proteger do frio, cozinhava numa trempe, utilizando doações de alimentos que lhe faziam. Sujo, maltrapilho, abandonado, sem receber nenhum tratamento humano de solidariedade, vivia como bicho.

 Numa entrevista feita pelos alunos da ENSF, em um trabalho escolar de 1996, a aluna Fernanda Cristina Meira Lôbo de Araújo, o entrevistou, mostrando a sua situação de abandono e o descaso com a pessoa humana, vivendo em um barraco de precárias condições de vida, moradia miserável. Ele estava com vestes esfarrapadas e com tremores dos membros superiores – doença de Parkinson, além de uma ferida na perna que usava mezinhas caseiras para tratamento.

Morreu à mingua, no ostracismo, morava sozinho. Uma situação dolorosa, incompreensível, inacreditável, sem amor e compaixão. Os acontecimentos inexplicáveis que acontecem na vida da pessoa, a condição de desgraça e abandono social, é difícil de explicar e aceitar. Há de se acreditar em Deus e seus desígnios para compreender-se esta situação.

 O seu corpo foi velado na Igreja São Cristóvão e teve grande presença de pessoas, que o conheciam (curiosos talvez), pois muito pouco ou nenhuma caridade fizeram por ele. Foi enterrado como indigente no dia 20 de novembro de 1998 no cemitério municipal Jardim Santa Inês quadra “A” sepultura número 459, não consta o nome nem a data de nascimento, apenas o nome Gata Preta.

Os dados dessa entrevista foram compartilhados com o pai de Fernanda, e ela é de suma importância, para que as pessoas tomem conhecimento dessa incrível história.

Depoimentos no facebook: Donatila Meira Lôbo Pessoa. Gata Preta! Ia muito em minha casa. Chamava meu pai de Nhão (Sebastião). Minha mãe dava-lhe comida e café. Eu sentia um pouco de medo dele.

Geonísio Viana pela internet (correio eletrônico): Gata Preta se chamava José Antonio dos Santos, tinha um irmão apelidado de Rinha, era filho de Idalina [filha de Vó Congonha] e neto de Vó Congonha. A D. Idalina mãe de Gata Preta e outros filhos buscavam água para a casa do meu avô Totônio Viana. Só que eu era muito pequeno na época e não sei o nome completo dessas pessoas.

O pedreiro Antonio Soares Farias, ‘Pai Veio’, falou que Gata Preta era um homem trabalhador, andava sem camisa e usava calças esfarrapadas, dormia no chão, comia nas casas das pessoas, comprou dele muitos adobos. Dizem que quando rapaz, ainda não havia apresentado sinais da doença, se vestia bem para ir as festas e tinha fama de bom dançarino. Ele era protegido de Dr. Mário Meira, quando aprontava, corria para casa de Dr. Mário e ninguém o incomodava em respeito ao doutor.

  PESSOAS CONSULTADAS:

Sebastião Meira Santos (Santos); José Maria Viana Machado; Gileno Otávio de Meira Mafra; José Humberto de Meira Mafra; Geonísio Silva Viana; Ivan Meira de Castro Gomes; Adão José do Carmo – pedreiro; Antonio Batista Conceição – Beco do cemitério municipal; Maria de Lourdes Calisto Carneiro – doméstica; Tereza da Silva Leite – Tereza das Baraúnas; Olvídio José Silva – pedreiro que conviveu com Gata Preta; Nivalda Meira Vasconcelos – professora e pesquisadora; Gabriel George Porto – fazendeiro; Gildásia Silva – esposa Chiquinho Gavião; depoimento das irmãs Rita Maria dos Santos (82 anos) e  Hermezina Maria dos Santos (86 anos); Vídeo da entrevista feita pela aluna da ENSF, Fernanda Cristina Meira Lôbo Araújo.

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