A cidade de São Félix, separada da vizinha Cachoeira pelo rio Paraguaçu, – o maior rio da Bahia – é o divisor natural de ambas e que estão ligadas pela centenária ponte Dom Pedro II, uma ponte metálica adquirida da Inglaterra, inaugurada pelo imperador em 7 de julho de 1885 que tem a seguinte composição: 365 m de comprimento total e está dividida em quatro vãos: dois centrais de 91,5 m e dois laterais de 86 m; largura de 9,5m – a parte central com 5m e as laterais destinadas a pedestres com 2m cada; vigas de 7,92 m; pesa 1.824 toneladas. Segundo a história, ela foi construída para ser montada no Rio Nilo no Egito, entretanto, São Félix e Cachoeira, foram agraciadas com a imponente obra executada pela Inglaterra, por intervenção política, e prestígio do Imperador Pedro II, a pedido dos políticos locais.
Este introito é para ilustrar o relato que faremos a seguir: Dois estudantes adolescentes moravam na cidade de São Félix e a mãe dos garotos procurou o chefe local da estação ferroviária, o qual conhecia o pai dos meninos por serem amigos e compadres. Ela alegou a necessidade da instrução dos mesmos, vez que o pai era considerado um homem de posses e abandonara-os, sem fazer jus às obrigações paternas, conforme determinação legal e solicitou a sua intervenção para solução do problema. Ele tomou então, a iniciativa de propor ao compadre (rico), convencendo-o arcar com os gastos dos estudos das crianças, contou com a aquiescência do progenitor, que ficou incumbido de enviar numerário para as despesas concernentes e o pagamento das mensalidades dos filhos.
Os garotos foram matriculados na cidade vizinha, Cachoeira. Era uma escola dirigida por uma professora de nome Ana – uma mulher gorda, sisuda, austera, e disciplinadora. A escola era referência de ensino na região. Lá funcionava externato e internato. Dona Ana agia como a um militar e sua ordem era cumprida à risca. Atuava com disciplina intransigente, e contava com a aprovação dos pais ou responsáveis, que autorizavam o rigor e ordem na condução dos estudos e do bom comportamento dos filhos. Dona Ana agia com toda austeridade a sua experiência a serviço do seu trabalho de longos anos de vivência no ramo da educação.
Uma das exigências da professora era com a farda, que devia estar impecável e com absoluta observação ao modelo indicado: sapatos e meias pretas, calça comprida de brim cáqui; blusão com mangas compridas do mesmo tecido; camisa branca e gravata preta – um suplício para os alunos, geralmente desleixados e não cumpridores dessas obrigações.
Quanto ao vestuário das meninas ela impunha vestirem-se, segundo a sua prescrição: sem qualquer pintura ou maquiagem, sapatos pretos, estilo feminino e meias azuis; saias plissadas azuis e longas com barrado abaixo do joelho; blusa branca de mangas compridas e gravata azul, traje impecável, absolutamente conforme o estipulado. Esta indumentária era motivo de grande satisfação dos alunos que se sentiam orgulhosos pelo vestuário ostentado.
A professora se sentia envaidecida e orgulhosa do traje impecável dos seus pupilos, e quando desfilavam em momentos cívicos ou festivos, tornavam-se uma atração à parte, pela rigorosidade da apresentação que era comandada por D. Ana.
Rigorosa, certa feita um jovem aluno apelidara uma menina, interna do colégio de “Bico de Anum”, por ser dentuça e ter a boca protuberante, em forma de bico, o apelido era justificado. A moça que era interna e gozava da professora, por bom comportamento e inteligência, certa condescendência, denunciou o autor da descompostura o qual foi castigado. Após tomar uma dúzia de bolos de palmatória, foi introduzido na temível cafua – um lugar escuro embaixo de uma escada, ficando lá por bom tempo, a critério de dona Ana.
Ocorre que o indigitado, pelo tempo que ficou trancado, precisou fazer necessidades fisiológicas e como não tinha como se comunicar – era proibido qualquer aluno se aproximar do lugar, fez ali mesmo a conveniente necessidade. Ao soltá-lo a professora sentiu pelo mal cheiro das fezes, e o fez apanhar com as mãos, colocar em local apropriado, lavar e desinfetar o compartimento, além de obrigá-lo a levar uma notificação do ocorrido, exigindo o comparecimento do responsável, para as devidas explicações.
O outro irmão também teve o seu dia de reprimenda. Em um campo de futebol, cercado de ingazeiras, perto da escola, encontrou-se com amigos que jogavam triângulo. Entreteve-se por lá, chegou atrasado na hora da chamada, ficando por último na fila. Cada qual ocupava o seu lugar determinado, o regime era bastante rigoroso e essa condição devia ser observada.
A professora, além do especial que passou ao discípulo pelo atraso, ao recolher os deveres de casa, notou que o aluno não tinha levado o caderno correspondente. Certa de que o menino não o trouxera por negligência ou falta de atenção, dera-lhe então um determinado tempo para apresentá-lo e, se não cumprisse a tarefa seria castigado. O discente saiu da escola em desabalada carreira, atravessou a ponte D. Pedro II, indo até a sua casa em São Félix, apanhar o caderno de deveres e voltar imediatamente para cumprir o prazo determinado pela preceptora, percorrendo dessa forma de ida e vinda, de um só fôlego, tudo para se livrar do castigo prometido que o apavorava.
Hoje não se pode exigir que o aluno cumpra sua obrigação escolar com punição rigorosa dos professores, porque a lei que rege a educação no País não permite esse tipo de ação. Além disso existe outros órgãos que cuidam da proteção da criança e do adolescente. Contudo, há de se prevalecer o bom senso, e se é assim, é necessária uma profunda reflexão sobre o assunto para que a realidade seja estabelecida.