Provavelmente somos o único país que cultiva o desapreço por suas origens. Muitas de nossas dificuldades em lidar com questões cívicas decorrem desse vício solitário, que se propaga, por exemplo, quando nos ensinam que o Brasil foi descoberto nos azares de uma calmaria, como se fôssemos resultantes de um furo no preservativo do destino. E passamos a depreciar, por mentiras e gracejos, nossa raiz lusitana.
Primeiro estado nacional moderno com a revolução do Mestre de Avis (1385), confinado entre os mouros, o oceano e Castela, o pequenino Portugal, a quem “Netuno e Marte obedeceram”, sonhou com expandir – nessa ordem – “a Fé e o Império”. Criou a Escola de Sagres, projetou e construiu as embarcações de que precisaria e se lançou a “mares nunca dantes navegados”, numa empreitada que logo seria seguida pelos espanhóis. Desbravou a costa ocidental da África, o caminho das Índias, o Brasil, dividiu o planeta ao meio e retirou o eixo da História das mãos dos francos e dos germanos.
Portugal entendia sua missão no Brasil como “povoamento”. Para essa imensa tarefa, dificultada pela escassa população do reino, mandou o que podia e não podia: criminosos e presos políticos, homens de empresa, religiosos do mais alto nível, membros da corte (que nos apresentam, genericamente, como um bando de “degredados”). O Brasil, que estudamos como explorada “colônia”, nunca teve esse tratamento no vocabulário e nas leis portuguesas. Quem aqui nascia, desde 1605, era cidadão de um reino cujo coração batia cada vez mais forte no Brasil. Por fim, o sonho de Martim Afonso, D. João IV e Luís da Cunha: uma coroa europeia fora da Europa (que nos relatam como o “episódio da fuga”) e o depreciado Reino Unido (um modelo de comunidade política, concebida pelo talento português, que os britânicos mais tarde iriam, exitosamente, reproduzir).
Pedro I, proclamando a Independência segundo conselho do próprio pai (“antes para ti que para algum desses aventureiros”) e Pedro II, deposto e exilado, levando consigo terra do Brasil para nela “repousar a cabeça”, são fatos a demonstrar que nunca houve na história universal uma relação como a de Portugal com o Brasil – a maior nação católica, mestiça e ibérica do planeta. Impossível amar o Brasil sem amar Portugal.
Infelizmente, a essa crise de identidade, que inicia com a depreciação de nosso nascimento e paternidade, soma-se, mais recentemente, uma visão fragmentada da nação, fracionada em múltiplas identidades e interesses em conflito. Que maldade!