Eduardo Cunha (PMDB-RJ) teve o mandato cassado pela Câmara dos Deputados – com 450 votos a favor, dez contra e e nove abstenções – na noite de segunda-feira (12). Ele era acusado de quebra de decoro parlamentar ao negar a existência de contas bancárias na Suíça na CPI da Petrobras.
Cunha já estava afastado da presidência da Casa desde maio, mas o que acontece agora que ele foi efetivamente cassado? A BBC Brasil conversou com juristas para entender o futuro do ex-deputado.
Como deixa de ser parlamentar, Cunha perde o foro privilegiado atrelado ao cargo. Assim, as duas ações penais a que respondia no Supremo Tribunal Federal devem ser encaminhadas para a primeira instância –primeiro “degrau” da Justiça. Segundo os entrevistados, é provável que pelo menos um dos processos seja enviado ao juiz federal Sérgio Moro, que concentra as ações relativas à operação Lava Jato na Justiça Federal do Paraná.
Cunha também é alvo de seis inquéritos, um pedido de abertura de investigação, uma ação de improbidade e de uma ação cautelar com pedido de prisão. Diferentes tribunais do país podem receber os procedimentos contra o agora ex-deputado, se assim for decidido pelo Supremo Tribunal Federal.
As duas ações criminais contra Cunha estão ligadas ao esquema de desvios na Petrobras.
Em uma delas, o peemedebista é acusado de receber ao menos US$ 5 milhões em propina do contrato da petroleira com um estaleiro. Nesse processo, ele responde pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Como a prefeita de Rio Bonito (RJ), Solange Almeida, também é ré no mesmo processo, a ação deve seguir para o Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4).
A Justiça Federal no Paraná pode receber a segunda ação penal em que Cunha é réu por ter contas não declaradas no exterior e, provavelmente, a ação cautelar com o pedido de sua prisão.
Nesse processo, em que é acusado de recebimento e movimentação de propina em contas secretas na Suíça, o ex-deputado foi denunciado por prática de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e declaração falsa em documento eleitoral. Ele nega ter contas em seu nome no exterior.
Além de poder ser julgado em Curitiba e no Rio de Janeiro, Cunha poderá ter de responder em outros tribunais a eventuais denúncias que surgirem das seis investigações das quais é alvo.
Isso porque o destino desses seis inquéritos contra Cunha pode ser variado. Dois deles podem ir para a Justiça Federal do Rio. Um apura se ele recebeu propina para liberar recursos do FI-FGTS para o Porto Maravilha. O outro investiga a participação do ex-deputado em fraudes em Furnas. Outros três devem ficar com a Justiça Federal em Brasília.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao STF a inclusão de Eduardo Cunha no principal inquérito da Lava Jato. Como outros parlamentares com foro privilegiado estão sendo investigados, esse inquérito deve permanecer na mais alta corte do país.
Ações penais
No caso das ações penais, as eventuais mudanças de instância, no entanto, tem dois lados, analisa o professor de Processo Penal e coordenador do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais) Paulo Sergio de Oliveira.
Ele explica que quem é julgado pelo STF fica numa situação complicada porque, quando a sentença é dada, não pode recorrer.
“Já quem é julgado na primeira instância, pode recorrer ao TRF [Tribunal Regional Federal], ao STJ [Superior Tribunal de Justiça] e ao STF. As pessoas ficam apavoradas por serem julgadas pelo Sérgio Moro, mas acho melhor ter todos os níveis de recurso.”
Na perspectiva do réu, o ponto positivo do Supremo, diz Oliveira, é a demora no andamento do processo.
“É um tribunal específico. Modifica-se totalmente o andamento do Supremo, que julga recursos de outras instâncias, para receber um processo criminal. Ou eles concentram esforços ou leva muito mais tempo.”
O peemedebista também é alvo de uma ação por improbidade administrativa na Justiça Federal do Paraná, que ordenou o bloqueio de bens e a suspensão dos direitos políticos por dez anos. Ele recorreu.
Pena
De acordo com os juristas, é improvável que Cunha aguarde o julgamento preso. Isso porque o STF não se mostrou assertivo sobre o pedido de prisão preventiva do ex-deputado feito pela Procuradoria Geral da República. O ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato, não havia respondido ao pedido. O STF disse que ouviria a defesa do ex-parlamentar.
Em maio, o jornal “Folha de S.Paulo” informou que os ministros da Corte chegaram a discutir, nos bastidores, se seria possível determinar a prisão do deputado como alternativa ao afastamento da presidência da Câmara. A proposta, no entanto, foi rejeitada por Zavascki.
Quando for a julgamento, as perspectivas não são boas para Cunha –se for condenado. Em duas ações penais, ele responde pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e declaração falsa em documento eleitoral.
Dadas as penas altas para esses delitos e o histórico da Lava Jato, se for condenado, Cunha deve cumprir o início da pena em regime fechado, diz o professor de Processo Penal da PUC-SP Cláudio Pereira. Essa possibilidade se afirma quando alguém é condenado a mais de oito anos de prisão.
“A lei de lavagem prevê penas altas: reclusão de três a dez anos. No tocante à corrupção, a pena mínima é de reclusão de dois anos. Já podemos ver que, na Lava Jato, na primeira instância, a pena varia de 9 a 12 anos. Se ele for julgado num processo dessa natureza, vai começar em regime fechado, e a condenação não deve ser substituída por penas alternativas.”
O professor explica que o cálculo da pena pode ser feito de duas maneiras: somando os anos de reclusão previstos em cada crime ou encarando todos os delitos como um só –como partes de um mesmo ato. Nesse caso, é possível aumentar em até dois terços a pena de um único crime.
Pereira diz que, quando as duas ações forem julgadas, e se houver condenação, é natural que as penas de cada processo se somem.
No entanto, pondera, tudo isso pode demorar. Cunha só será preso após a defesa do ex-deputado esgotar os recursos em todas as instâncias da Justiça.
Delação premiada
Eduardo Cunha sempre rechaçou a possibilidade de assinar um acordo de delação premiada na tentativa de reduzir possíveis penas aplicadas contra ele, caso seja condenado. Ele diz ser inocente e nega todas as acusações que pesam contra ele.
“Eu não tenho o que delatar. Eu não tenho crime praticado e não tenho o que delatar”, afirmou o peemedebista em junho.
Na segunda-feira, depois de ser cassado, ele voltou a negar que pretende fazer uma delação. “Só faz delação quem é criminoso, eu não sou criminoso”. Ele afirmou ainda que os delatores que o citaram não apresentaram provas contra ele.
Cunha negou a delação, mas prometeu um livro sobre os bastidores do impeachment. Diz que está a procura de uma boa editora para publicar os diálogos que travou sobre o impeachment de Dilma. “Esses serão tornados públicos na sua integralidade”, prometeu logo depois de ser cassado.