Qualidade, segundo o dicionário Michaelis, “grau de perfeição, de precisão ou de conformidade a certo padrão”. Se o leitor é da área, certamente puxará pela memória os grandes personagens do século passado que a forjaram como a conhecemos atualmente. Para não me estender, poderia citar Edward Deming, que a define como tudo aquilo que melhora o produto do ponto de vista do cliente, ou seja, qualidade é algo que tem que mudar constantemente para se manter, já que o ponto de vista do cliente também muda.
Para Armand Feigenbaum, qualidade é a correção dos problemas e de suas causas ao longo de toda a série de fatores relacionados com marketing, projetos, engenharia, produção e manutenção, que exercem influência sobre a satisfação do usuário. Por último, mas a melhor definição: qualidade é a ausência de defeitos, de Joseph Juran.
Feita a definição, podemos nos voltar à sua importância. Se hoje, século XXI, se perguntarmos para qualquer pessoa se a qualidade de algo é importante, aposto que todos responderão que sim. Mas se, em seguida, perguntarmos como essa pessoa contribui para a qualidade do produto ou serviço prestado pela empresa que trabalha, já tenho minhas dúvidas. Por mais que a qualidade não deva ficar restrita apenas ao departamento de qualidade, a coitada geralmente fica. E pior, muitas vezes é relegada ao segundo plano, principalmente se for atrevida o suficiente para tentar se colocar acima dos prazos ou do lucro de curto prazo.
E por que nossa amiga qualidade é colocada de escanteio?
Porque ela é muito compreensiva e não chama a atenção devida. Quantas vezes já vi empresas passarem por cima dos seus padrões de Qualidade para cumprirem um prazo impossível ou não incorrerem em prejuízos por erros cometidos em outros processos.
Como exemplo, já vi empresas alimentícias recolherem as mercadorias vencidas das gôndolas do ponto de venda e colocarem o produto vencido em uma nova embalagem. Algumas, analisando o produto no laboratório, para ver se ainda estava em condições saudáveis; outras simplesmente trocando a embalagem e despachando o produto.
Ao questionar os responsáveis, é comum ouvirmos que essa é uma prática da indústria e que, se não fizer, incorrerá em prejuízos. Além do mais, todos os ingredientes têm uma margem de segurança muito rígida e dar uma “esticadinha” não irá ocasionar riscos aos consumidores. E assim, ao não acontecer nada com a empresa e com os sócios, a atitude pontual vai se tornando corriqueira e os padrões de qualidade vão sendo esquecidos. Relegados aos rótulos ou às auditorias.
Dessa forma, o negócio vai caminhando e prosperando, até que um cliente sofre uma intoxicação alimentar e a promíscua cultura da não qualidade vem à tona. Nessas horas, não há o que se fazer, além de dar visibilidade para os crimes cometidos contra a relação de consumo. No caso que veio recentemente à tona, por sorte, não houve vítimas fatais ou de intoxicação, pois os clientes conseguiram perceber o aspecto estragado do molho de tomate. Porém, há inúmeros casos com finais muito mais dolorosos e trágicos, nos quais dezenas de pessoas perderam a vida.
Manifesto pela Qualidade
Olhando para os casos pretéritos de escândalos pela falta de qualidade, podemos concluir: ela só fica de lado porque o efeito de sua negligência demora a aparecer.
Para muitos, isso basta para se desvencilhar da responsabilidade por algum erro cometido e dobrar a aposta no erro, assumindo riscos desproporcionais aos ganhos.
Uma analogia para quem não é da área entender a criticidade da qualidade para um negócio: pensar nos sistemas de nosso corpo. Quando estamos com saúde, nossa mente fica cheia de projetos e preocupações de coisas da nossa vida não relacionadas ao corpo. Basta um sistema falhar, para lembrarmos que não há nada mais importante do que a manutenção da saúde em nossas vidas.
Não espere a técnica em enfermagem aplicar insulina ao invés de soro para implantar um sistema à prova de erros. Nem tampouco alguém morrer pelo consumo de molho de tomate vencido ou contrair leptospirose pelas péssimas condições de higiene. E, na sua vida, não espere a obesidade chegar para sair do sedentarismo ou algum problema cardíaco surgir para adotar bons hábitos alimentares.
Quem se antecipa à qualidade e à saúde não tem a garantia de que problemas não irão ocorrer, mas tem a certeza de que está fazendo o melhor para que não ocorram. Seja proativo e tenha como valor a sinceridade – sobretudo, a si mesmo. Não tente enganar a qualidade; por muito tempo, é impossível.