Volta e meia me deparo com textos em que o autor abraça a tese exposta por Ayn Rand no livro “A virtude do egoísmo”. Em síntese, segundo a obra, egoísmo é bom e faz bem.
Não caia nessa! O egoísmo não se confunde com o zelo pelo interesse próprio característico das pessoas prudentes. Consultórios de psicólogos e terapeutas estão lotados de pessoas egoístas, inaptas para o amor. E de suas vítimas.
Leão XIII, na profética Rerum Novarum (1891), deixa claro, quando condena o comunismo, que a ausência do interesse próprio levaria esse sistema ao fracasso por “privar de seus estímulos o talento e a habilidade” e, como consequência, “por estancar as riquezas em sua fonte”. Em seguida, aponta o inevitável resultado: “em lugar da igualdade tão sonhada, tem-se a igualdade na indigência e na miséria”. Isso foi escrito um quarto de século antes da Revolução Russa e de seu consequente fracasso! Ou seja, o Papa anteviu o que, décadas após, se tornaria óbvio para quem tem juízo.
Por outro lado, o amor ao próximo não envolve, necessariamente, um sentimento afetivo. Sua melhor expressão está na narrativa evangélica do Bom Samaritano, que socorre um viajante assaltado, ferido e jogado à beira da estrada. Alguns passaram por ali e nada fizeram, mas o samaritano agiu efetivamente em seu favor. Eis o sentido efetivo do amor ao próximo. O samaritano sequer conhecia a vítima do assalto. Numa situação como essa, quem só cuida do seu próprio interesse e julga realizar assim a perfeição do próprio ser, segue o exemplo do levita e do sacerdote que passaram pela pessoa ferida e seguiram adiante porque o problema dela não lhes dizia respeito.
Se o egoísmo fosse uma virtude, o Estado brasileiro seria o ente mais virtuoso sobre a face da terra porque este só cuida bem de si mesmo.
Vá à praça dos Três Poderes e dê uma olhada à sua volta. Ali vive a alma do absolutismo, a mesma essência presente em cidades imperiais como Viena, Praga, Budapest e São Peterburgo, por exemplo. Contudo, a substância política que nelas se percebe como algo que um dia foi e passou, em Brasília é tempo presente. Tudo feito para mostrar a grandeza do Estado, num entorno onde o cidadão é o exemplo vivo de uma impotência cada vez mais real.
Na Praça dos Três Poderes, o egoísmo está presente na forma e na substância. Presente na arquitetura monumental, escultórica; presente nas grifes que vestem a nudez de tantas insignificâncias; presente nos corporativismos e nas barganhas; presente nas vaidades, nos ambientes de confraria e no total desprezo ao sujeito a pé, olhando em volta, no centro da praça (ou aos milhões desde o nascer caídos à beira da estrada da vida).
Nos palácios do entorno da praça, as poucas dezenas ali animadas à conduta virtuosa têm um trabalho indispensável e quase impossível. Precisam do ânimo dos 300 de Esparta ou dos também 300 de Covadonga. Alguns a quem conheço sabem o quanto aquele ambiente faz rarear a virtude do espírito de serviço, que vai aparecer de modo muito mais visível no mundo dos negócios, onde o sucesso depende de bem servir ao próximo, que atende pelos nomes de cliente ou freguês.
Vejam que é bem ao contrário do que pensa uma parte da direita sobre o egoísmo e a totalidade da esquerda sobre o Estado.