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Ativismo está perplexo com denúncias, diz especialista em movimentos sociais

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Estudiosa dos movimentos sociais, a professora Maria da Glória Gohn, da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, afirma que os ativistas vivem um momento de perplexidade com as graves acusações da JBS ao presidente Michel Temer (PMDB) e ao senador Aécio Neves (PSDB). “Os acontecimentos da semana passada deixaram as pessoas surpresas, indignadas, estupefatas. É preciso vencer essa perplexidade, sendo que a própria mídia está conduzindo para uma resolução mais jurídica do que política. Está nas mãos do Judiciário. Acredito que os próximos dez dias serão cruciais para observar qual será a reação da população”, prevê a docente, referindo-se ao julgamento da chapa Dilma-Temer pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral), marcado para o dia 6 de junho.

A professora Maria da Glória Gohn, autora do livro “Manifestações e protestos no Brasil – Correntes e contracorrentes na atualidade”: obra mapeia cerca de 30 movimentos – Foto: Antônio Scarpnetti

Maria da Glória Gohn teve seu livro mais recente, “Manifestações e protestos no Brasil – Correntes e contracorrentes na atualidade”, lançado nesta segunda-feira (22) pela Cortez Editora. E ontem (23) participou do evento “Das ruas às urnas? Percepções dos cidadãos sobre os rumos da democracia brasileira: de junho de 2013 aos dias atuais”, organizado pelo Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop), dentro dos Fóruns Permanentes de Políticas Públicas e Cidadania, idealizados e patrocinados pela Coordenadoria Geral da Universidade (CGU).

Ainda analisando os desdobramentos da delação da JBS, a professora da Unicamp vê reações diversas por parte dos movimentos sociais. “Temos de tudo um pouco. Num primeiro momento, teve-se a impressão de que até ocorreriam alianças em torno do ‘Fora Temer’. O Movimento Vem Pra Rua, por exemplo, ensaiou uma manifestação na avenida Paulista, mas de repente vi no jornal que eles não são favoráveis às eleições diretas, que é preciso respeitar a Constituição e, portanto, que se Temer sair terá que haver eleições indiretas – e por esse Congresso que está aí, o que também é um grande ponto de questionamento.”

Nesse contexto, segundo Maria da Glória Gohn, as condutas dos movimentos sociais estão se definindo e redefinindo a cada hora, a cada notícia. “E novamente a mídia exerce um papel muito importante, mas só a mídia de um lado; uma mídia alternativa capaz de criar consensos, objetivos mais claros, não existe. Tanto não existe que não teve população na rua no domingo [pelo Fora Temer, no dia 21] e não só por causa da chuva e do frio, como foi dito. A questão das reformas [trabalhista e previdenciária] talvez leve mais gente para a rua. No cenário atual, o que se vislumbra, diante dessa desorganização e estupefação, é uma certa rearticulação dos movimentos.”

Um aspecto diferente notado pela pesquisadora nas capitais onde ocorreram manifestações nesse último domingo, foi a presença de estudantes, além da CUT e de outros movimentos que denomina de clássicos. “A questão é investigar que estudantes são esses: se são os universitários, a UNE ou se os secundaristas também estão saindo às ruas – seria uma rearticulação diferente da tradicional, pois haveria um elemento novo se os secundaristas também aderiram às últimas manifestações, considerando que a mobilidade deles está restrita pela faixa etária: há vários casos em que os pais não deixam e outras coisas do gênero.”

A professora da FE comentou ainda o silêncio dos manifestantes que foram às ruas pedindo o impeachment e contra a corrupção, e daqueles que batiam panelas nas janelas. “A divisão da sociedade, a polarização entre PT e não PT, entre pró-Dilma e fora Dilma foi tamanha, que me parece que para parte da população o embate teria se encerrado com o impeachment da presidente. Houve, ainda em dezembro, manifestações convocadas pelo Vem Pra Rua e pelo Brasil Livre, com uma pauta referente à crise política vigente e em defesa da Lava Jato, mas com uma adesão muito pequena, porque grande parte dos que bateram panelas sentiu que já havia vencido. Se as panelas vão voltar agora, no ‘Fora Temer’, não se sabe.”

Manifestantes em Brasília, no último dia 17, logo depois de divulgadas as notícias sobre as delações – Foto: Reprodução

Mapeando os movimentos

O livro de Maria da Glória Gohn aborda “Manifestações e protestos no Brasil”, desde junho de 2013 até o impeachment em 2016. Ela destaca os sujeitos sociopolíticos (movimentos), repertórios, correntes político-ideológicas e a cultura política vigente, analisando mais especificamente três movimentos “novíssimos”: Passe Livre (MPL), Vem Pra Rua (VPR) e o Brasil Livre (MBL), com perfis sociopolítico e ideológico diferenciados, advindos do autonomismo ou do liberalismo. A autora focaliza também protestos no campo da educação, especialmente as ocupações de escolas da rede pública.

A docente da Unicamp divide os movimentos sociais entre os clássicos (sindical, estudantil, luta pela terra, por teto); os novos, que se aglutinaram no embate contra o regime militar (pastorais, sindicalismo alternativo, raciais, ambientalistas, comunitários); e os novíssimos surgidos especialmente a partir de 2013, que compartilham crenças e valores em ambiente virtual, onde predomina a horizontalidade e autonomia, sem laços anteriores a movimentos novos ou clássicos

“Procuro fazer um mapeamento desses movimentos todos, entender a identidade deles, que valores trouxeram e, ao mesmo tempo, separá-los para verificar, nessa identidade, o que os une e o que os diferencia, como se articularam”, explica a docente da Unicamp. “Considerando os movimentos clássicos e novos, aglutinados na Frente Brasil Popular e na Frente Povo sem Medo, chegamos a 100 movimentos sociais (incluindo sindicatos e organizações de apoio). E, do outro lado, junto aos novíssimos, mapeei cerca de 30 movimentos: além do MPL, que fica mais isolado dos autonomistas, temos o Vem Pra Rua, o Brasil Livre e depois os coletivos que não aparecem tanto nas manifestações.”

Maria da Glória Gohn divide o livro em três partes: a primeira é teórico-metodológica, em que trabalha categorias como multidão, povo, cultura política, mobilização, movimento social, coletivos; a segunda parte é sobre as manifestações propriamente ditas; e a terceira traz um pequeno resgate das lutas pela educação. “Essas lutas vêm dos anos 20 do século passado, passando pelos anos 50 e depois pelos ‘caras pintadas’. Aponto como certa novidade a questão dos secundaristas, que herdaram essa denominação das lutas dos anos 50 e 60 (vindos dos antigos ginásios, clássicos, científicos). Essa recente erupção foi detonada por questões locais, mas como eles também buscam beber de movimentos no Chile, Argentina e outros países, vemos algo maior, que são os autonomistas.”

Das ruas às urnas?

O fórum “Das ruas às urnas?”, promovido pelo Cecult no Centro de Convenções, procurou discutir a série de instabilidades, conflitos e incertezas políticas, institucionais, econômicas que tem marcado a experiência democrática brasileira desde junho de 2013 – e como os cidadãos veem e participam desse processo. Foram discutidas as polarizações políticas e contradições observadas em pesquisas de opinião, nas redes sociais, na mídia, nas ruas e também nas eleições, em torno de temas como a crise política e sua gestão, a expansão ou redução de direitos, a condução de políticas públicas e as desigualdades sociais.

Outro aspecto levantado nas mesas-redondas é que, a despeito da efervescência dessas manifestações políticas, observou-se elevados índices de abstenção e de votos inválidos nas últimas eleições municipais, o que representaria um recado da opinião pública para os políticos e governantes, revelando descrença ou protesto. Participaram da primeira mesa – “Ações do Estado: percepções, ações e reações dos cidadãos” – os expositores Carolina Raquel Duarte de Mello Justo (UFSCar), Maria da Glória Gohn (Unicamp) e Wagner de Melo Romão (Unicamp). A mesa da tarde – “Dos valores às atitudes políticas: implicações eleitorais das percepções sobre a democracia brasileira e atuação da mídia” – teve a participação de Claudio Couto (FGV-SP), João Feres Junior (UFRJ), Katia Nishimura (PUC-Campinas) e Nara Pavão (UFPE). A moderadora de ambas as mesas foi Fabíola Brigante Del Porto, doutora do Cesop e organizadora do evento.

 

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