Ignore o bate-boca das redes e fuja da armadilha da “polarização”; o que interessa é o futuro e o bem-estar dos cidadãos
Por Marina Amaral/Agência Pública
Se você quer escolher um bom candidato a prefeito e eleger um vereador responsável, vale dar uma olhada na Constituição e nas leis estaduais e municipais que dispõem sobre atribuições e deveres das autoridades municipais.
Provavelmente você vai se surpreender com a diferença entre o que eles devem e podem fazer e as promessas que vão invadir telas e fones com a largada das campanhas municipais a partir da última sexta-feira (16).
Com uma armadilha anunciada: a “federalização” da campanha, uma disputa antecipada das eleições de 2026 com grande repercussão na mídia.
Interessa aos políticos com ambições nacionais transformar em polarização política o que deveria ser uma eleição de zeladores eficientes dos serviços públicos e planejadores honestos do desenvolvimento urbano com foco no bem-estar da população e na preservação do patrimônio histórico e natural dos municípios.
Basta conferir a quantidade de dinheiro público que deputados federais e senadores estão destinando para irrigar as candidaturas de seus aliados e parentes. Com a facilidade das emendas Pix, o mecanismo mais usado para transferir recursos para cofres municipais e campanhas eleitorais, criado no governo Bolsonaro às vésperas do pleito de 2020.
Quando a festa dos Pix foi interrompida pelo ministro do STF Flávio Dino, no dia 1o de agosto, R$ 4,8 bilhões já tinham sido pagos neste ano – além de R$ 8,8 bilhões em 2023. Dinheiro público sem rastreabilidade que provavelmente já está no cofre de prefeitos escolhidos pelos deputados, até porque a legislação proíbe a transferência de recursos da União para municípios após o prazo de três meses antes das eleições.
Mas, se não podemos evitar a endinheirada interferência dos políticos federais nas eleições municipais, cabe a nós ao menos pular da barca ideológica e eleger critérios relevantes para escolher prefeitos e vereadores com base em competências e atribuições reais.
Vejo com desconfiança, por exemplo, obras urbanas de última hora e, principalmente, promessas de melhor desempenho na segurança pública, presentes em todos os palanques, já que as decisões de peso sobre esse tema estão fora das competências municipais.
Os avanços populistas nesse sentido, como o aumento de armas e poder de polícia das guardas municipais, só têm trazido mais problemas, como mostra a formação de milícia na Cracolândia, em São Paulo.
Para melhorar a segurança, o melhor que um prefeito pode fazer é manter as ruas limpas e bem iluminadas, oferecer políticas de geração de renda, inclusão, moradia, educação, saúde e lazer, além de um transporte público eficiente e bem fiscalizado (pelo menos sem celebrar contratos com facções criminosas, como aconteceu em São Paulo) – esse sim um serviço municipal essencial, de acordo com o artigo 30 da Constituição Federal.
Em outras palavras, o prefeito e os vereadores devem cuidar do bem-estar da população e zelar pelas condições ambientais que a cidade oferece a seus habitantes. O policiamento nas ruas deve ser cobrado das autoridades estaduais, e a investigação e repressão ao crime dos governos federal e estadual.
De acordo com o artigo 23 da Constituição, são competências municipais essenciais, em comum com a União e os estados, reduzir a pobreza e a desigualdade, promover a inclusão, organizar o trânsito, garantir o acesso de todos os cidadãos à ciência, à cultura e à tecnologia e preservar o patrimônio histórico, artístico e o meio ambiente, além de combater toda forma de poluição.
Essas prioridades devem guiar prefeitos e vereadores na construção do planejamento urbano, que, por sua vez, vai determinar o futuro de todos nós, sobretudo no momento dramático que vive a humanidade, com a temperatura alcançando o 1,5 grau de aquecimento em 2024, antes do que foi previsto pelos cientistas.
Ações como deter a especulação imobiliária – causa número 1 da corrupção de prefeitos e servidores municipais – e traçar políticas de adaptação das cidades a eventos extremos são essenciais para evitar cenas como vimos em Porto Alegre e em outras cidades do Rio Grande do Sul em 2024, e anteriormente em Petrópolis (RJ) e São Sebastião (SP).
Temos que pensar também como reduzir a desigualdade entre os habitantes de metrópoles como Rio ou São Paulo, onde os mais pobres são obrigados a viver nas ruas ou em locais perigosos ou insalubres, sujeitos a deslizamentos, inundações, contaminação por esgoto e picos de calor extremo.
O que decidimos nas eleições municipais também pode suprimir futuros cenários distópicos como se projeta atualmente para Recife, a mais vulnerável de nossas capitais, de acordo com os estudos internacionais do clima. E para salvar a Amazônia e o Cerrado, cada vez mais urbanos, com enormes efeitos sobre as águas e as florestas.
É muita coisa grande e importante para discutir com efeitos diretos sobre as nossas vidas. Por isso faço um convite: acompanhe “Clima das Eleições”, a cobertura das eleições municipais da Agência Pública. Vamos investigar os problemas das nossas cidades e analisar planos e projetos dos candidatos com as lentes implacáveis da emergência climática.
Sem democracia, ciência e informação pública de qualidade, não vamos superar esse desafio.
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