Por Antônio Novais Torres
Existem pessoas que são afeiçoadas a animais (pássaros, cães, gatos etc.) e dedicam-lhes amor, são zoófilas. Crianças e idosos, geralmente, dedicam afeição e carinho aos seus animais de estimação e adoram-nos como se fossem entes queridos, devotando a eles grande afeição. Minha mãe tinha predileção, especialmente, por gatos.
Certa feita, um comerciante amigo ofertou-lhe – por saber que ela gostava de gatos − um bichano angorá mestiço, muito bonito, de pelos brancos com manchas pretas, cauda longa, bastante felpuda, um belo animal, que foi criado com zelo, assaz carinho, dedicação e amizade. Batizou-o com o nome RIZZO, nome de origem desconhecida cujo significado não se sabe, talvez italiano.
RIZZO passou a ser inseparável amigo e companheiro dela. Era o senhor da casa, merecendo suas atenções e cuidados ao lado da gata SALOMÉ, os quais eram tratados com mimos. Minha mãe colocava-os em seu regaço, cofiava-os cantando modinhas de ninar, conversando com eles como se fossem pessoas. Ensinava-os a comportarem-se e exigia-lhes obediência, eles por intuição, seguia às suas instruções. Para dona Nenzinha, apelido familiar de minha mãe, os felinos eram seus companheiros, obedeciam-lhe como se fossem gente, pareciam entender o que ela lhes falava.
RIZZO era um felino de porte esbelto, bonito, todos que o viam admiravam-se da sua beleza. Tornou-se um exímio caçador: subia sorrateiramente nas árvores do quintal, hipnotizava as suas presas e, num bote certeiro, agarrava-as com grande destreza, sem nenhuma chancepara a vítima escapar de suas garras afiadas. Despencava-se do alto dos arvoredos, estatelando-se no chão, agarrado à sua caça como um verdadeiro acrobata, sem se machucar. Era inacreditável a destreza e a prática, da astúcia e da perícia do gato caçador. Inteligente e lesto parecia raciocinar, tal o seu tirocínio.
Um lavrador que veio morar na cidade, fugindo do trabalho braçal da roça e buscando outros meios de rendimentos para a sobrevivência, tornou-se nosso vizinho, propôs-se a criar preás com o intuito de abater e comercializar os animais adultos e vender os filhotes, tendo em vista que esse animal se reproduz em grande quantidade, viabilizando bom retorno comercial.
Com o passar do tempo, ele notou que as preás estavam sumindo e comentou o fato com minha mãe, sua vizinha e amiga. Desconfiava de que estava sendo roubado, avisou-lhe que ficaria de guarda e armado para surpreender o ladrão, afirmando que iria atirar no gatuno e que não se assustasse com o estampido da arma. Em sua opinião, o larápio merecia ser penalizado.
A amiga o advertiu para as consequências de seu ato que poderia complicar-lhe a vida e a de sua família. Não valia a pena arriscar-se tanto com uma atitude irrefletida.
Noites seguidas de vigília, não flagrava o ladrão e as preás continuavam desaparecendo. Enquanto ficava de guarda na espreita, RIZZO, que mantinha intimidade com o “vigilante”, permanecia deitado ao seu lado, fazendo-lhe companhia e era acariciado pelo criador de preás. Pernoitado, sonolento, vencido pelo cansaço da vigília, retirava-se para dormir.
RIZZO, então, agia, como por intuição, aproveitando-se da sua ausência para atacar e degustar a vítima. Conforme diz o ditado popular: “Um dia é da caça, o outro é do caçador”, aconteceu o inevitável: RIZZO foi morto após ser flagrado com a boca na botija, ou melhor, com a preá na boca.
O problema agora era avisar à dona do bichano, a quem ela dedicava estimação como se fosse um filho. Ao cientificá-la do ocorrido com as devidas explicações de não ter distinguido o gato como o da vizinha e alegando não ter culpa, o vizinho foi hostilizado veementemente, acusado de cometer crime, impiedoso, assassino de vítima indefesa e inocente. “Foi como se tivesse morto um filho meu” – desabafou dona Nenzinha. A convivência entre os vizinhos tornou-se difícil e insuportável, pois a dona de RIZZO fez queixa na delegacia, pedindo providências e justiça.
Em face do ocorrido e dos problemas de relacionamentos pessoais de incompreensão e intolerância, o vizinho sentindo-se desconfortável, se mudou para outra residência longe da nossa casa. Um dos filhos, para solucionar os problemas levou-a para a cidade onde residia, confortando-a pela perda do animal.
Esse episódio a abalou profundamente. Nenhuma justificativa foi capaz de devolver-lhe a alegria de antes e, inconformada, até hoje, recrimina-se por não ter uma lembrança, nem mesmo uma foto, do animal querido. O gato era parte integrante do seu viver. Ela jamais se esqueceu de RIZZO. Sempre o relembrava.