Está no noticiário desta terça-feira a informação de que Marco Aurélio Mello – aquele do talão de embarque, que não mora em Jaçanã, mas não podia ficar “nem mais um minuto com vocês” – decidiu, como rabugento lapão, sair da reta e colocar a culpa na presidente do STF, ministra Cármen Lúcia. Ela teria cometido o erro de antecipar o julgamento do habeas corpus de Lula quando o correto, segundo ele, teria sido julgar antes as duas ADCs sobre prisão em segunda instância que aguardam julgamento. “O desgaste para o tribunal está terrível. Isso demonstra que a estratégia da presidente foi falha”, afirma Marco Aurélio. “Foi muito ruim julgarmos só o caso do ex-presidente. Agora estamos pagando um preço incrível”.
Dadas todas as vênias, é muito caradurismo. Se o ministro não queria votar o habeas corpus, por que aprovou sua admissibilidade quando a consulta feita por Fachin deu ao plenário a oportunidade de rejeitá-lo? Bastava-lhe dizer não para que não se concretizasse o vexame que ele tenta atribuir ao ato da presidente. No entanto, disse sim e copatrocinou o desgaste do STF.
Cármen Lúcia colocou em votação o HC de Lula exatamente para destapar a estratégia dos seis ministros a serviço da impunidade, que queriam votar, às pressas, as Ações Declaratórias de Constitucionalidade e beneficiar Lula. Toda aquela urgência tinha nome – Luiz Inácio Lula da Silva. Ora, se o objetivo era derrubar a prisão após condenação em segunda instância e proteger Lula, que o fizessem na pessoa física e não por interposta pessoa. E eles fizeram. Acabaram com a Lava Jato, desmoralizaram o STF, deixaram a nação prostrada, semearam o desalento, expuseram a própria malícia e vão liberar geral, soltando milhares de presos – de pedófilos e estupradores a corruptos e corruptores.
Tudo em nome da “liberdade”, querendo significar lisa, total e eterna impunidade. Não pretenda agora o ministro, com o escândalo na rua, com o véu do templo rasgado, sair em defesa de uma dignidade que não mais defesa tem.
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* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
UNIVERSIDADE PÚBLICA OU CASA-DA-MÃE-JOANA?
Percival Puggina
Se for verdade que a vida ensina, então nos enfiaram num curso de imersão, intensivo. De sol a sol, estamos assistindo o “mecanismo” em pleno funcionamento. Podemos observá-lo em diferentes estágios – o nacional, o venezuelano, o cubano, o norte-coreano. Todos têm devotos no Brasil. O mecanismo, quando ameaçado (Lava-Jato), sentindo esvair seu poder (impeachment) e perdendo substância popular (redes sociais), contra-ataca com todos os meios independentemente da reação. Não obedece lei, nem costume, nem limite. Não há sequer divergência entre suas facções. Mesmo aquela esquerda que posa como moça de bons costumes e oferece sua virgindade na praça eleitoral permaneceu em conivente silêncio ante o cambalacho promovido pelo “Pretório Excelso” (vê se eu aguento!). Não será preferível dizer Ínfima Caterva?
No mesmíssimo contexto se inscreve a universidade pública, outro importante espaço de poder que vem sendo metabolizado pela esquerda, usado para formação de intelectuais orgânicos desde antes da fundação do PT. O que constitui novidade, trazida a lume pela premência dos fatos, é a necessidade de incorporar a energia do ambiente acadêmico às táticas políticas de curtíssimo prazo para salvar o petismo na eleição de 2018. Isso ainda não fora visto.
Refiro-me às dezenas de cursos de extensão sobre o “golpe de 2016” que se propagam nas universidades brasileiras, incluindo disciplinas como “O lulismo e a promoção da paz social”, “O governo Dilma e a tentativa de repactuação lulista”, “A resistência popular e as eleições de 2018”, e por aí vai. Tais conteúdos, obviamente, são adequados às dependências de uma sede partidária e promovidos à custa da legenda interessada. É preciso haver subordinado o senso moral à causa e ideologizado cada neurônio para não perceber o quanto tais “cursos de extensão” ultrapassam os limites da decência no emprego que fazem de meios e títulos públicos.
Raciocinemos pelo viés oposto. Imaginemos, por exemplo, cursos sobre “A corrupção na Petrobras e a fraude financeira que favoreceu as vitórias eleitorais de 2006, 2010 e 2014”; “Objetivos totalitários da luta armada dos anos 60 e 70 no Brasil”; “A alternativa liberal-conservadora no pleito de 2018”. Não é difícil imaginar a reação que seria suscitada por qualquer desses temas. Contudo, em que pese o interesse por tais abordagens, a universidade não é para isso e a criação desses eventos incorreria em equívoco análogo ao que aqui critico. E mais: nenhuma aula dessas conseguiria ser ministrada ante a reação de alunos e professores. Ou não?
Valerem-se da autonomia universitária como blindagem para usar e abusar do que é público em benefício particular – seja ideológico, político ou partidário – é uma forma de corrupção que começa na mente e se expressa na práxis. A autonomia não é salvo-conduto para tropelias, nem é a universidade foro privilegiado onde o saber pode ser corrompido e nenhum abuso coibido.
Esses professores, ao mesmo tempo em que, tanto quanto os ministros do STF, envilecem seu poder, andam pelas respectivas universidades, transformada em casa-da-mãe-joana, reclamando da sobrecarga de aulas e da falta de verbas para as atividades acadêmicas. Mas os cursinhos de marotagem política têm tempo, disposição e meios.