O ser humano possui um desejo grande de ter o domínio completo sobre a sua vida. Se pudéssemos controlar os nossos níveis de alegria, nossa disposição para a vida, nossa saúde, seria ótimo. Ocorre que precisamos lidar com a deficiência que nos habita. Somos carentes, não estamos completos, não controlamos tudo. Existe uma falta em nós alimentada por um desejo de plenitude. Essa “coisa que falta” nos faz experimentar algo negativo. Preferíamos não ter “essa falta”.
A experiência religiosa, de certa forma, lida com “essa falta”. Quando pensamos em Deus percebemos que Ele é uma realidade que está presente e ao mesmo tempo ausente. Está ali, mas está além. É o invisível, o não controlável. Ele ultrapassa todo pensar e todo compreender. Assim, pela religião me uno a uma experiência que abrange o todo da vida, que está além do visível e do controlável. A religião me possibilita trabalhar com a carência que me habita, com a deficiência, com essa falta de alguma coisa. Mas a experiência religiosa é capaz de eliminar essa falta? Não. Ela não elimina, mas a acomoda, acalma ou possibilita que convivamos com ela. A experiência religiosa nos diz que eu não tenho o controle sobre tudo. Não consigo conduzir a vida e a realidade com as minhas mãos. Somente temos em parte o controle. Por exemplo, posso cuidar da minha saúde me alimentando de forma correta, fazendo exercícios, tendo autocontrole nas emoções, mas isso não consegue determinar o tempo de duração da minha vida e nem o nível desejado de minha alegria.
Mas então será Deus que está no controle de tudo? Também não gosto dessa expressão. Ela não condiz com a liberdade do amor de Deus e a liberdade da própria criação. O que temos que perceber é que a “deficiência”, a “falta de algo” é própria do limite, da finitude que está em nós. Não somos infinitos, não somos ilimitados. Precisamos acolher a nossa realidade sem nos rebelarmos contra ela. Não rebelar-se, acolher e entregar. Entregar a quem? Entregar a Deus, que sabemos que nos ama. Quem faz isso compreende o que é religião, fé e espiritualidade. Santa Tereza de Ávila ousou dizer: “só Deus basta”. Claro que a experiência de entrega a Deus, quando vai amadurecendo, um dia depois do outro, dá ao coração uma sensação de paz muito profunda. Parece que ali não falta nada, temos tudo. Mas isso é um caminho, não acontece de uma hora para outra e nem em algum momento de entrega. Como aquele que pouco procura a Deus e numa só vez quer encontrar tudo. Não acredito nisso! Por isso, convido você a ir fazendo a “experiência de entrega” diariamente. Entrega ao amor de Deus, entrega à vida, às pessoas, ao bem, à verdade. Só assim iremos acomodando melhor nossas faltas, nossas deficiências.