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Sempre quis. Nada fiz

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– Sempre quis ter a barriga travada, feito a das meninas que nada comem.

* Não existem meninas que nada comem, isso é muita coisa.

– Vamos melhorar a frase:

Sempre quis ter a barriga travada, feito a das meninas que comem certo.

* Aaa tá, assim sim, comem certo, malham certo, bebem certo, sabem dizer não, isso que você quis dizer, não é?

– Foi, foi isso sim.

* E você já tentou isso alguma vez na sua vida?

– Tentei, claro que tentei. Ano passado, a essa hora,em vez de mover a boca, eu estava movendo o pescoço.

* Movendo o pescoço? Como assim?

– Quando alguém me oferecia uma delícia, eu ia com a cabeça da esquerda para a direita, recusando educadamente.

* Aaa ridícula. Pensei que era algum tipo de exercício dessas novas modas.

– Claro que é um exercício. Esse mexe até com a alma de quem o pratica.

* E como foi essa experiência?

– Passei um mês assim: recusando as delícias, dizendo não. Balançando mais a cabeça,  mastigando menos.

* E o que aconteceu?

– Fiz isso durante um mês inteiro.

* E o que aconteceu?

– Quando o mês terminou, eu me entreguei aos prazeres da carne.

* Quando o primeiro mês terminou, você voltou a comer tudo o que já havia deixado para trás?

– Foi.

* Ninguém te avisou que o primeiro mês seria o mais difícil e que, depois dele, tudo seria mais leve?

– Eu nem pensei nisso.  Estava contando os dias para que ele terminasse. Eu só queria voltar a comer.

* Tonta! Estava fazendo sem saber o real motivo por que fazia. Podia ter sido o primeiro mês do resto da sua vida. Foi há um ano?

– Foi.

* Caso tivesse continuado, estaria um ano mais gostosa hoje.

-É, eu sei.

* isso foi tudo que você já fez na vida para ter a barriga chapada?

– Não. Passei um tempo comendo pizza, chocolate, sorvete e refrigerante só no dia 19 de cada mês.

* E o que aconteceu?

– Emagreci, estava ficando com a barriga sarada.

* E aí?

– Aí, no mês do meu aniversário, eu comi o bolo no dia 08, abri uma exceção naquele mês e, ao final dele, descobri que estava com o mesmo peso dos outros meses em que passava com a dieta restrita. Pensei assim: do que vale restringir se estou com o mesmo peso comendo? Voltei correndo aos prazeres da carne, mais uma vez.

* Caraca! Você é mais tonta que eu imaginava. Por que não continuou? Estava mudando seus hábitos, partindo para comer mais saudável. Com o tempo você estaria tão acostumada a não comer essas besteiras o mês inteiro que nem se lembraria da existência do dia 19.

– Pois é, mais uma vez, voltei aos prazeres do apetite e esqueci a barriga sarada.

* Mas você até que tem boa vontade, toma iniciativa para as mudanças. Isso é bom. O triste é não prosseguir com os propósitos.

– É que tenho vontade real de mudar, mas a vontade de comer fala mais alto.

* Tudo bem. Agora me conte: qual o motivo que te trouxe aqui?

– Quero que você cale a voz da minha vontade de comer.

* Ai, ai, ai! Você é engraçada. Quer que eu, com apenas uma conversa, opere um milagre?
 

– Caso seja possível…

* Não tem jeito, queridinha, ainda não opero milagres. Se conseguisse essa proeza já estava rica, milionária.

– Mas amigas minhas vieram aqui e tiveram seus problemas resolvidos.

* Claro que elas estiveram. Eu passo as dietas, ensino os exercícios, indico o caminho das pedras. Faço tudo, mas calar a voz da sua vontade de comer, isso é com você. A vontade é sua, a voz também é sua, portanto, sendo tudo seu, a responsabilidade também é sua.

E, assim, Ela, que tinha como prática terceirizar tudo que tinha que domar, continuou com suas gordices, com seus chocolates, pizzas e sorvetes, sem assumir a responsabilidade que era só sua, sem exercícios, sem a barriga sarada, querendo mas nada fazendo.

 

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