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Vestido vermelho

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Ela já ouvira inúmeros relatos onde aquele vestido vermelho ocupava o papel de protagonista.

Nas melhores festas da juventude de sua mãe e tias, ele sempre estava presente.

Foi com ele que foram aos melhores bailes.

Com ele conquistaram seus amores inesquecíveis.

Usando o vestido, uma deu o primeiro beijo, a outra foi pedida em casamento, a outra se formou e a outra ficou sem ele e engravidou.

Ele fazia parte da história de todas as mulheres daquela família.

Algumas com o começo lindo e o final desastroso.

Outras com o começo que nada significava e um final encantador.

Quanto a Ela, que enquanto o vestido ia e vinha de bailes e festas, ainda não estava nem nos cueiros, só imaginava como tudo acontecera.

A cada festa que tinha para ir, cogitava ir com o “tal” vestido.

Porém, cada vez que tentava puxar papo com uma das tias ou mesmo sua mãe, elas desconversavam.

Nunca estavam dispostas a tocar no assunto.

Até que, num dia, como quem não quer nada, Ela perguntou àquela que já sabia das coisas quando o vestido era apenas um pedaço de pano, sua avó.

“Claro que sei onde ele está. Está guardado e muito bem guardado. Quando as meninas foram saindo de casa, ele foi ficando, foi deixado, esquecido.”

“Eu pensava que elas o haviam deixado de lado por terem dinheiro para comprar um vestido novo a cada festa. Mas não era isso. Com o tempo e o absoluto esquecimento, entendi que a fase de compartilhamento se fora.”

“Nunca mais voltaria aquele tempo em que um pequeno ajuste aqui e outro ali faria a alegria das minhas meninas com um velho vestido que se tornava novo a cada necessidade.”

Ela matou a curiosidade e esqueceu o assunto.

O tempo passou e ninguém nunca mais se lembrou do vestido.

Dias viraram meses, anos e mais de uma década se passou como num passe de mágica.
Chegou o dia triste em que as coisas da vozinha tiveram que mudar de lugar sem a sua participação.

Reuniram-se para fazer aquela tarefa nada feliz.

Alguns objetos cheios de história foram delicadamente disputados por uma e outra.
Cada uma pegou para si o que um dia dera como presente.

Foi em meio a lembranças e lágrimas que encontraram o vestido vermelho.

Cuidadosamente dobrado, fora colocado em uma caixa grande com laço de fita.

Parecia que havia sido guardado há poucos instantes.

Quem o achou desdobrou com um sorriso e o colocou em frente ao corpo.

Rapidamente ele foi passando de mão em mão e cada uma que o pegava contava um fato pitoresco que acontecera enquanto dentro dele estivera.

Deram boas gargalhadas relembrando as proezas da juventude.

Foi quando a última delas rodopiou, como se em um baile estivesse, que voou longe um envelope.

Rapidamente todas as atenções se voltaram para ele.

Quem estava mais perto do papel alado o apanhou rapidamente.

Nele estava escrito, caprichosamente, o nome da neta curiosa.

“É para você.” – a tia estendeu o envelope para Ela – “leia para nós.”

Ela, sem entender nada abriu com cuidado e começou a ler:

“Minha Menina, você acaba de sair de minha casa, veio me perguntar sobre este vestido vermelho que agora está em suas mãos. Queria saber o que fora feito dele. Contei uma história meio fuleira a você só para que não me pedisse para vê-lo.”

“É que esse vestido não fez parte da vida só da sua mãe e tias. Talvez nenhuma delas saiba, mas foi com ele que conheci o grande amor da minha vida. Ele me acompanhou  nos momentos mais importantes e felizes que já tive.”

“Sempre me preocupei com quem deixá-lo, afinal, ele é uma relíquia para mim e hoje descobri quem cuidará e continuará valorizando esse pedaço de pano cheio de memórias: você!”

“Nunca saberei o tempo que passou desde o dia que escrevo até agora quando você lê. Mas, independente de qualquer coisa, troque o forro, mude essa flor, refaça a bainha, coloque algum detalhe que o deixe mais moderno e vá ao menos a um baile com ele. Esse que tens nas mãos é um vestido festeiro.”
“Não sei o que vai fazer com ele, só uma coisa te peço:  seja feliz, muito feliz como todas nós fomos enquanto com ele estivemos.”

“Com amor, Vovó.”

Ela terminou a leitura emocionada como todas ali.

Abraçou o vestido e saiu sem palavras para seguir as instruções de sua vovozinha.

 

Vivi Antunes é ajuntadora de letrinhas e assim o faz às segundas, quartas e sextas no www.viviantunes.com.br

 

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