Provavelmente você já ouviu Luís Carlos Prestes ser mencionado como “o Cavaleiro da Esperança”, distinção que lhe foi outorgada por Jorge Amado no início dos anos 40, em seus tempos de militante comunista. Ele recebera ordem do PCB para se exilar em Buenos Aires e escrever um livro propagandístico sobre seu personagem, preso pela ditadura Vargas. Esperavam os comunistas brasileiros que a repercussão da obra gerasse pressão internacional para a libertação de Prestes. Não gerou, mas o título do livro, publicado originalmente em espanhol, acabou virando cognome do biografado.
Tudo seguiu a mais estrita orientação do centralismo, mitificação e propaganda característica das organizações comunistas. Morte aos fatos e aos acontecimentos! Longa vida às versões que sirvam à causa! Anos mais tarde, Jorge Amado repudiou essa e outras obras, como se verá a seguir, mas a construção do mito persistiu em posteriores biografias, como a escrita por Anita Leocádia – “Luiz Carlos Prestes, um comunista brasileiro” – que cumpriu muito zelosamente seu papel de filha do biografado.
Atente para estas palavras de Jorge Amado, num pequeno vídeo que pode ser assistido aqui:
“Nenhum escritor, naquele momento, naquela ocasião, era um escritor que não tivesse um engajamento. E toda primeira parte da minha obra traz um engajamento que é uma excrescência. Nós éramos stalinistas, mas terrivelmente stalinistas. Para mim Stalin era meu pai. Era meu pai e minha mãe. Para a Zélia [Gatai]também. Nós levamos uma trajetória de anos cruéis para compreender que o pai dela era o mecânico Ernesto Gattai e que meu pai era o coronel do cacau João Amado. Quer dizer, o partido me utilizou. E a partir desse momento, em realidade, o que o partido fez foi, sem querer, provavelmente, a tentativa de acabar com o escritor Jorge Amado, para ter o militante Jorge Amado. No fim do ano de 1955 eu soube que a polícia socialista torturava os presos políticos tão miseravelmente quanto a polícia de Hitler. O mundo caiu sobre a minha cabeça. Já sem escrever a longo tempo, já descrente por inteiro das ideologias, do fundamental das ideologias – Stalin era vivo ainda – eu deixei o partido comunista. Fui atacado por muitos dos comunistas de uma forma muito violenta. O principal dirigente comunista da época, depois de Prestes, que era Arruda Câmara, disse que dali a seis meses eu não existiria como escritor e como intelectual. Felizmente ele se enganou. Ideologia, quer saber o que é, Henry?É uma merda!”.
Pois coube a Luís Carlos Prestes, cavaleiro de sua coluna inútil pelo interior do Brasil, receber da Prefeitura de Porto Alegre um latifúndio urbano em área nobilíssima da cidade, para ali ser erguido memorial em sua homenagem. A coluna Prestes, é bom registrar, em virtude das “expropriações revolucionárias” que fazia, deixou um rastro de miséria por onde passou. Como garantia do butim, entregava bônus que a revolução, quando vitoriosa, haveria de saldar… E como tampouco havia apelo na causa defendida junto a uma população interiorana que sequer sabia quem governava o país, a coluna viajou 25 mil quilômetros afugentando aqueles que pretendia atrair. Se você perguntar o que Prestes fez pelo Brasil (ou pela cidade) só descobrirá que se empenhou sempre, e sem escrúpulo, por alguma ideia revolucionária desastrada, desastrosa ou totalitária.
O Memorial Prestes está para ser inaugurado. Era tão extenso e valioso o quarteirão que lhe foi designado que, tendo cedido metade para a Federação Gaúcha de Futebol ali edificar sua sede, recebeu em troca a obra pronta, segundo projeto do camarada Oscar Niemayer. É uma pena que a cidade abrigue tão vistosa homenagem a essa figura menor da cena política brasileira, fiel a Moscou e infiel à sua pátria.
Espero que a posteridade não veja o prédio como uma reverência desta geração de sul-rio-grandenses, mas como produto fortuito e circunstancial do trabalho de um grupo político com escassa representatividade, que ainda hoje se abraça a essa ideologia de péssimo passado e nenhum futuro. Por isso, e só por isso, cai-lhe bem o nome “Memorial”.