RIO – No dia 12 de abril de 1972, no horror da ditadura Médici, escrevi em minha coluna na “Tribuna da Imprensa” e tantos outros jornais:
– “Marcelo Caetano, primeiro-ministro de Portugal: Portugal jamais abandonará o controle sobre suas províncias da África”.
Mussolini também disse que a Itália jamais sairia da Abissínia. Acabou berrando de cabeça para baixo em um posto de gasolina de Milão.Como um bode imundo. Hitler também disse que a Alemanha jamais sairia da Iugoslávia. Acabou enterrado nos porões de Berlim. Como um verme imundo.
No mesmo dia, o embaixador Manoel Fragoso, de Portugal, foi ao Ministério das Relações Exteriores e exigiu do ministro Mário Gibson Barbosa que eu fosse enquadrado no artigo 21 da Lei de Segurança Nacional:
– “Ofender publicamente, por palavras ou por escrito, chefe de governo de nação estrangeira. Pena: reclusão de 2 a 6 anos”.
O ministro Mário Gibson oficiou imediatamente ao ministério da Justiça. O ministro Alfredo Buzaid abriu processo.
Era a primeira vez, no Brasil, que alguém era enquadrado no artigo 21 da Lei de Segurança. O processo andou rápido. Meu brilhante e gratuito advogado e amigo o jurista Marcelo Cerqueira que, com seu generoso talento já me absolvera outras vezes, brincava comigo:
“- Nery, você esta frito. Por menos que isso porque chamou Augusto Pinochet de ditador em pleno exercício do seu mandato de deputado federal Chico Pinto foi condenado, tirado da Câmara e levado para a cadeia. Desta vez você não escapa.”
Havia decidido comparecer ao julgamento da Primeira Auditoria da Marinha no Rio de Janeiro. Desse no que desse.
Mas nas vésperas do julgamento meus fraternos amigos Graça e Hélio Duque, companheiros de luta na Bahia e de clandestinidade em São Paulo, passaram pelo Rio e não concordaram com a minha ideia de arriscar. Na véspera do julgamento, de madrugada, no carro deles, saímos para São Paulo onde esperaríamos o resultado no dia seguinte.
Condenado iria para Londrina, de lá até a fronteira seguiria para o exílio no Chile e depois Paris.
De manhã liguei para José Aparecido em São Paulo:
“- Vamos almoçar com o presidente Jânio Quadros na casa do Pedroso (líder do MDB).”
Jânio chegou de camisa esporte:
“- Nery, estava sabendo pelos jornais e o nosso Zé me disse que você será condenado. Não sem razões, sabe-se.”
Os três dissolvendo minha tensão com um Borgonha. Pedroso silencioso, sorria, e eu com a cabeça na Auditoria da Marinha. Às 6 da tarde Marcelo telefona:
“- Eles são uns desprevenidos. Te absolveram por 4 a 2.
Marcelo havia levantado a tese irrespondível: a lei de segurança falava em Chefe de Estado que era o almirante Américo Tomas, presidente de Portugal. Marcelo Caetano não era Chefe de Estado era Primeiro Ministro, Chefe de Governo.
O promotor Militar recorreu para o Superior Tribunal Militar. Meses depois compareci ao julgamento. O promotor militar, que não me conhecia, disse que tanto eu tinha certeza de não ter razão que não tive coragem de comparecer ao julgamento. Marcelo disse apenas:
“- Senhor presidente do Tribunal, senhores Ministros, apresento-lhes o réu aqui presente.” E apontou para mim.
Fui absolvido por unanimidade.
***
O Rio fez nesta semana uma festa para o lançamento do livro de Marcelo Cerqueira, cidadão da cidade e meu advogado imbatível. Dezenas de amigos foram à Livraria da Travessa Leblon abraçá-lo pelo seu excelente “Fragmentos de Vida – Memórias”.