Lembro exatamente o dia que ouvi a sua voz pela primeira vez.
Estávamos chegando à nossa casa, eu e minha mãe em um fim de tarde de céu azul.
Fora um dia cansativo e justamente naquele meu pai não fora nos buscar.
Descemos do ônibus atravessamos a rua e o quintal. Enquanto ela abria a porta o escutei pela primeira vez.
Não sei se mamãe o ouviu, mas eu relacionei a sua voz à solidão.
Muitos anos depois conheci Ana Terra.
Sua relação com ele era íntima, quase visceral.
Mulher forte e valente vislumbrava cada pequena alteração de sua entonação. Acreditava perfeitamente que antes de cada um dos grandes acontecimentos de sua vida ele vinha lhe avisar.
Adolescente que era fiquei com aquilo na cabeça e quando agosto chegava com seus ipês amarelos e grama seca eu reclamava todos os dias por ouvir, naquela casa onde todos os dias minha mãezinha abre a porta, a voz do vento.
Lá ele conversa com as árvores, longe, muito longe e só quando o nosso silêncio aparece se pode ouvir seu tagarelar.
Já aqui de onde escrevo…
Fico imaginando como seria desesperador para os Três Porquinhos, fugindo pela segunda vez do Lobo Mau, esconderem-se aqui na minha sala.
No décimo andar de um prédio rodeado por casas e outros prédios menores por todos os lados, o vento canta, grita e sapateia aqui dentro da sala.
Tem hora que penso, enquanto não me acostumo a sua presença constante:
“Dessa vez eu fico surda, não é possível tanto assobio.”
Outra hora:
“O prédio vai cair sem balançar. Vai ser de uma só vez.”
Mas aí ele se cala.
E Ana Terra? Será que daria conta de desvendar tanta cantoria?
Quando acredito que ele se foi, calou-se ou resolveu cantar longe daqui, simplesmente vem chegando como quem não quer nada e solta um forte grito só para me lembrar que enquanto agosto não acabar ele será meu companheiro constante.
E eu, caso não queira enlouquecer que trate de ignorá-lo ou acostumar-me às suas melodias.