Quando Eliana Calmon, ex-corregedora do Conselho Nacional de Justiça, em 2011, resolveu, declarar em alto e bom som que ‘havia bandidos escondidos atrás da toga’, não foi, evidentemente, uma ação tresloucada, obra de rompante ou mera indignação. Foi, isto sim, parte de uma estratégia bem urdida para tentar deter o avanço das ações contra a competência originária do CNJ para iniciar e conduzir investigações disciplinares de magistrados em geral.
Comecemos pelo fundamental, ao lembrar que o Poder Judiciário, como está estruturado em nosso país, é uma projeção monárquica em Estado republicano, pois a República é incompatível com a vitaliciedade, a irresponsabilidade (no estrito sentido jurídico-político), a sucessão hereditária e o nepotismo, que muitas vezes orientam a constituição de nossas Cortes e a composição dos gabinetes de nossos julgadores.
As causas da “crise”, entretanto, resultam de uma conjugação de fatores. Longe de querer isentá-lo, o Poder Judiciário não é o único culpado, ao contrário, tem-se transformado em “bode expiatório” das falhas do sistema judicial. O Relatório 32.789-BR, do Banco Mundial, sob o título “Brasil — Fazendo com que a Justiça Conte”, provou que existem outros atores que contribuem tanto ou mais, para a ineficiência do sistema judicial. Essas revelações já eram conhecidas dos magistrados.
A quantidade de processos em trâmite, considerada exagerada pelo Banco Mundial, tem papel relevante na crise. No ano de referência para a pesquisa foram ajuizadas ou sentenciadas, em média, 1.857 ações para cada juiz federal, trabalhista ou estadual do país. No mesmo período, a demanda foi de 875 ações para os juízes argentinos e de 377 para os venezuelanos.
A maioria das demandas cuida de questões do governo, em especial impostos e pensões. Assim, o excessivo ajuizamento de ações envolvendo o Executivo e o seu deliberado retardamento amplia a crise.
Se em vez de retardar o processo, recorrendo a uma taxa de recursos alta e crescente, o governo revisse a forma de prestação de seus serviços ou buscasse outra via de solução, a crise reduziria. Parece-nos necessário ainda rever a legislação, que prevê privilégios aos órgãos públicos (prazos em quádruplo para contestar, em dobro para recorrer, direito a reexame necessário nas hipóteses cabíveis, etc.).
Num país cuja Justiça não julga, e no qual os juízes, inclusive os dos tribunais superiores, se dizem abarrotados de processos, o poder judiciário se declara em ‘férias coletivas’ que consomem parte de dezembro e todo o mês de janeiro, privilégio negado aos comuns mortais ao qual se somam as justas férias individuais, as licenças-prêmio e mais isso e mais aquilo.
O mau exemplo vem de cima, pois o STF (como os demais tribunais superiores) não se reúne, no ano, mais do que durante nove meses, pois seus membros gozam de férias coletivas entre 2 e 31 de janeiro (a que se soma o ‘recesso de Natal’ que normalmente começa no dia 15 de dezembro) e entre 2 e 31 de julho. E durante o ano judiciário sobrante os ministros ainda viajam, participam de congressos e palestras no país e no exterior, sem serem substituídos, prejudicando, além do julgamento dos processos ao encargo de cada um, as reuniões do Pleno. Aliás, uma das características dos nossos tribunais é a ausência, nos julgamentos, da apreciação do direito, isto é, do mérito das questões. O debate é puramente adjetivo. A crise institucional vem do judiciário?