Ele retirou o Sagrado da religião e o colocou onde? No ser humano. O ser humano é o território sagrado! Ali você encontra Deus.
Há algum tempo escrevi um artigo com o título: Deus não é religioso. Posso dizer que recebi alguns comentários de pessoas chocadas com isso. “Um padre falando isso?” E ainda: “é tão difícil convencer as pessoas para viver a religião, com isso pioramos”, diziam outros. Posso dizer que essa ideia foi se confirmando e amadurecendo. Nas últimas leituras teológicas que fiz fui percebendo que Jesus também não é religioso. Não só porque Jesus é Deus e, se disse que Deus não é religioso, consequentemente Jesus também não é. O argumento não é esse.
Ao falar assim, quero chamar a atenção para o que agrada a Jesus. O que de fato Ele quis mostrar para a humanidade? Dizendo em linguagem moderna: qual o foco de sua palavra e ação?
Sabemos que Jesus era judeu e, como judeu, participava do rito religioso judaico. Ali, no ritual judaico, com a palavra, as leis, os sacrifícios, sacerdotes, doutrinas, o povo compreendia que encontrava o sagrado. Ou seja, se perguntássemos aos judeus onde eles encontravam o Sagrado, ou onde encontravam Deus, certamente, diriam, “o encontramos em nossos rituais religiosos”. Isso é um dado tão claro que, de certa forma, se torna inquestionável ainda hoje, também nas demais religiões. Cremos encontrar Deus através das religiões.
O que Jesus fez diante dessa realidade? O que se pode dizer com a mesma clareza, mas causando um choque nos leitores, é de que Jesus retirou o sagrado da religião do seu tempo. De certa forma, Jesus dessacraliza a religião. Cria, da para dizer, um movimento laico, não religioso. Mas, Ele retira o Sagrado da religião e o coloca onde? Coloca no ser humano! O ser humano é o território sagrado! Ali você encontra Deus. No contato com o ser humano, no processo de humanização empreendida por cada pessoa, no cuidado de si mesmo e dos outros, na compaixão e no amor que faz o ser humano viver, ali Deus está. Ali está o Sagrado. A Palavra e a ação de Jesus não foi outra senão dar vida à vida das pessoas. Vida em plenitude. Isso, naturalmente, é fazer com que a humanidade se eleve, chegue à maturidade do amor, na união fraterna que se sobrepõe às diferenças de pensamento, crenças e posições culturais e ideológicas. No humano, a humanidade poderá se dar as mãos. Será muito difícil a humanidade se unir em torno de uma única crença, uma única ideia, mas no cuidado com o humano poderia se unir. Ali estaríamos vivendo Deus, o Sagrado, na profundidade e na verdade.
Mas você pode perguntar: “mas padre, e a religiões ficam como nessa história? Mesmo o próprio cristianismo, qual sua função?” Aqui aparece o verdadeiro sentido do religioso. Ou seja, toda religião é boa na medida em que me torna melhor, mais humano e me coloca em contato com a humanidade do outro e a humanidade inteira. O culto religioso, a prática religiosa, é legítima não quando me separa dos outros, como às vezes acontece, mas quando me coloca em sintonia com as alegrias e tristezas, sonhos e angústias das pessoas. É nesse sentido que afirmamos que Jesus não é primeiramente religioso. Ele fica feliz e o tenho como Salvador na medida que entro em contato, no cuidado e no amor, com minha humanidade e a dos demais.