Quase termino a leitura de Caminhos antigos e povoamento do Brasil, de Capistrano de Abreu. O autor narra com maestria alguns acontecimentos históricos que deram curso à integração nacional e cita cartas e documentos datados de séculos atrás. O que mais me chama atenção na narração histórica de Abreu é a ânsia dos conquistadores e bandeirantes pelo ouro (em referência às riquezas naturais) e o tratamento aviltante dado aos ameríndios. O uso da força religiosa pelos recém-chegados foi instrumento de dominação sobre os “gentios”, que serviam para satisfazer o apetite material dos seres “civilizados”.
Esta oposição entre civilização e selvageria marca a história do Brasil desde antes da chegada dos portugueses. Até então, eles imaginavam que nas terras novas (onde fundariam a Terra de Santa Cruz) encontrariam seres portentosos, monstros desconhecidos e paraísos inexplorados. Desde este momento, os portugueses já traçavam as primeiras linhas da história brasileira, cuja versão colonizadora e dominadora os livros didáticos consagram; o nome de nosso país deriva de uma adaptação da palavra que os invasores usaram para referir-se ao pau-brasil, cuja madeira rendia tinta para tingir tecidos de fidalgos europeus.
Uma das consequências da colonização portuguesa é a manutenção da integridade territorial de uma área imensa. Para isso, Portugal expulsou invasores holandeses de Pernambuco e franceses do Maranhão. A despeito do sangue derramado, manteve a extensão territorial do que hoje é o Brasil, ao contrário das divisões que ocorreram na América Hispânica. Algumas destas, só para mencionar exemplos na América do Sul, deram em países de extensões territoriais tão pequenas como Equador, Bolívia e Uruguai. A disputa com europeus de outras nacionalidades não impediu os invasores de fundar as três guianas (inglesa, holandesa e francesa) na América do Sul.
Enquanto isto, colonizadores e colonos brasileiros avançavam ao interior do país em busca de riquezas naturais (ouro, esmeralda) e aventuras (apresamento de índios, adversidades naturais). Começava a debandada de pintinhos. Mas, por uma razão inexplicável, selvagens eram os índios que viviam em harmonia entre eles e com a natureza, enquanto civilizados eram os ladrões de ouro que tinham tez clara e os pregadores católicos que exterminavam culturas autóctones.
Dando um salto temporal de alguns séculos, vemos que pouco mudou no padrão de criação de pintinhos. Áreas extensas do Brasil seguem um padrão desordenado de urbanização (formação de cidades em áreas que deveriam ser de preservação ambiental, aumento do número de sem-tetos como os que se instalaram num terreno da zona Sul de São Paulo). Além disso, exploram-se áreas remotas do país para mineração (Pará), madeira (Amazonas), pecuária (Rondônia) e agricultura extensiva para exportação (Mato Grosso).
O brasileiro, desde o período colonial, tem brigado por território. Na zona rural, fazendeiros embatem com indígenas; na zona urbana, famílias tomam posse de terrenos por usucapião e outras assentam-se em áreas de onde creem que podem tirar proveito sem pagar impostos. Enquanto isto, o setor imobiliário brasileiro tem a segunda maior alta (12,8%) depois do norte-americano entre 23 países avaliados em 2013 segundo informação reproduzida da revista inglesa The Economist (http://exame.abril.com.br/economia/noticias/brasil-e-2o-em-alta-de-preco-de-residencia-entre-23-paises). É surpreendente que apartamentos em praias famosas do Rio de Janeiro ofereçam-se por mais de 50 milhões de reais.
Pouco se planeja para evitar os efeitos nefandos da debandada de pintinhos no Brasil. Há aspectos culturais e políticos intricadamente envolvidos no assunto. Logo os pintinhos precisarão de áreas restritas como as de pecuária intensiva. A verticalização das residências tem ocorrido através da construção incessante de prédios. Noutras palavras, temos sido lançados cada vez mais acima da terra enquanto vivos e cada vez mais abaixo dela depois de mortos. Nestas áreas restritas, o crescimento natural está em risco de extinção na medida em que se clausuram animais a fim de aumentar a produtividade. Os pintinhos somos nós.