*02/06/1913
†31/08/1987
Esther Trindade Serra nasceu em 02 de junho de 1913, na cidade de Rio de Contas/BA – “Rua da Ponte: a rua melhor do mundo/de crepúsculo mais lindo,/de horizonte azul, infindo…” (Rua da ponte, a rua onde nasci…, Esther Trindade Serra) –. Era filha de José Rodrigues Trindade e Elvira da Silva Trindade.
Irmãos: Antônio, Basílio, Cantídio, Dulce, Floripes, Guiomar, Hermano, Israel, Julieta, Kilda, Laudelina, Mário, Nair e Osmar.
Desde 1980, a sua cidade natal é tombada pela atual Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). A cidade histórica é patrimônio reconhecido como valor nacional e caracterizada por ser celeiro de artistas.
Seu povo, fiel às tradições e à cultura, preserva o patrimônio arquitetônico antigo da cidade: ruas largas com calçamentos rústicos e seus casarios do passado, enfim, todo o seu patrimônio histórico.
Esther Trindade Serra foi uma mulher dinâmica, independente, versátil e destemida. Morou em Abaíra, no povoado de Jequi, município de Iramaia e em Brumado. Exerceu diversas atividades: Oficial de Cartório (Jequi), pintora, escritora, poetisa, musicista, política, conselheira, exímia oradora e parteira – o que mais gostava de fazer.
Amava a terra natal, nunca deixou de participar dos festejos do Santíssimo Sacramento (o maior acontecimento católico realizado em Rio de Contas), dos quais sempre estava à frente. Lutava pela preservação da beleza natural e das tradições do povo rio-contense. A cidade precisava conviver com o novo, imposto pelo progresso, e preservar o antigo, um patrimônio histórico nacional. Ela sempre lutava para asseverar essa dualidade antitética.
Casou-se em 1935 com Pedro Esmeraldo Serra, na Igreja Matriz de Macaúbas. Comemorou bodas de ouro em 1985, na Igreja Matriz de Brumado. O casal teve os seguintes filhos: Celeste, Célia, Olympio, Ordep, Bárbara e Ana Elvira, todos profissionalmente realizados e distinguidos pela competência e sapiência: Pedagogo, Antropólogo, Médico, Escritor e Poeta que herdaram a veia da inteligência da mãe, uma autodidata de inteligência refinada pela leitura.
Muito religiosa, incentivou o filho Olympio a estudar no seminário para ser padre. O destino, porém, encarregou-se de desfazer esse plano, sem, contudo, tirar a concepção humana do antropólogo.
Em Brumado, foi secretária do Ginásio General Nelson de Melo, bibliotecária na Biblioteca Municipal Jarbas Passarinho, vereadora, vice-presidente da Câmara, presidente da Casa, líder do Governo e prefeita do município, quando o prefeito Juracy esteve no exterior. Seu mandato extinguiu-se em 17/06/1974, sendo substituída por José Meira de Oliveira.
Oradora elogiada por correligionários e adversários. Querida pelos seus pares. Entendia que a amizade estava acima das divergências políticas e para todos tinha um tratamento igualitário.
Merecem ser relatados outros feitos de D. Esther: dedicou o poema Nossa Senhora dos Verdes ao brumadense Antonio Rizério Leite e compôs a letra do Hino do Município de Rio de Contas com melodia do maestro Esaú Pinto. Em 1959, Compôs o hino a São Sebastião, que é comemorado em 20 de janeiro. Apresentou o primeiro presépio vivo em frente à Igreja Matriz, com encenação teatral na Missa do Galo – O nascimento de Jesus. Na missa dos domingos, nas novenas do mês de maio, nas celebrações festivas da igreja matriz, os cânticos sagrados ecoavam acompanhados do som melodioso do órgão tão habilmente dedilhado por D. Esther.
Foi sua a idealização da Bandeira e do Brasão Municipais. Ela esteve no Mosteiro de São Bento e procurou uma autoridade religiosa, o internacionalmente famoso heraldista Frei Paulo da Ordem de São Bento da Bahia para orientá-la, e este lhe sugeriu a colocação da cruz como símbolo heráldico, firmada em vermelho, cor símbolo do padroeiro Bom Jesus, e o amarelo representando a cidade. Sendo a cruz inspiração fundamental da religião cristã, inseriu, no Brasão Oficial do Município de Brumado, a expressão latina IN OMNIBUS CRUX (EM TUDO A CRUZ).
Diante desses dados, desenhou e pintou a Bandeira e o Brasão, obedecendo às normas heráldicas, os quais tiveram a aprovação da Câmara através da resolução nº 01/72, assinada pelo presidente Miguel da Mata Dias e pelo 1º secretário Péricles Jardim Sélis. O Brasão passou a ser utilizado nas correspondências oficiais do município (Legislativo e Executivo), conforme determinado na resolução número 01/72, de 20 de abril de 1972. Em 6 de dezembro de 2007, por aprovação da Câmara de Vereadores e sancionada pelo prefeito, através da Lei nº 1.510, a expressão foi trocada para IN OMNIBUS PRIMUS (EM TUDO O PRIMEIRO).
HINO DO MUNICÍPIO DE RIO DE CONTAS
“Rio de Contas há séculos curvado,/ ao Santíssimo se entregou,/ e seu povo o adora prostrado,/ ante o altar que o passado legou.
Doce Jesus Sacramentado,/ guarda teu povo, Jesus amado!
As cascatas nas grimpas da serra, o Brumado em seu leito feliz,/ os rosais roseando esta terra,/ teu amor, Jesus Hóstia bem diz.
Destas serras azuis altaneiras,/ atalaias da fé, no sertão,/ sertanistas de ousadas bandeiras,/trouxeram-te ao nosso coração.
Bendizendo teu nome divino,/ desde o início de antigas conquistas,/ nesta terra te cantam mil hinos,/ o martelo e a bigorna do artista.
E na tenda feliz do trabalho,/ no labor da existência ou na dor,/ nunca em vão foi teu nome invocado,/ Hóstia Santa de luz e de amor”.
(Esther Trindade Serra)
HINO A SÃO SEBASTIÃO
Foste por Deus escolhido/para proteger a terra/contra o martírio da fome/contra a peste, contra guerra.
Tu és o Santo querido/que pela graça e virtude/Deus transformou num modelo/Para tua juventude.
Neste Dia venturoso/Tributemos gratidão/Pelos teus grandes milagres/Pela tua proteção.
Ó defende a nossa terra./Nosso augusto protetor/Contra a peste, a fome e a guerra./Não nos falte o teu favor. (Esther Trindade Serra)
Em sua homenagem, a Câmara Municipal denominou um logradouro público no bairro Jardim Brasil de “Rua Vereadora Esther Trindade Serra”. Os Vereadores Geraldo Leite Azevedo e Manoel de Souza Lima, pelo Projeto de Resolução n. 02/90, de 11 de maio de 1990, indicaram o seu nome à Câmara de Vereadores de Brumado para designar a sala da sessão Câmara. O auditório da Casa passou, então, a chamar-se Salão Nobre Esther Trindade Serra.
Na qualidade de representante do povo, fez várias indicações de interesses público e comunitário que foram acatadas, produzindo benefícios e homenagens, portanto, uma vida pública repleta de realizações.
Declarações de Clara de Andrade Alvim na introdução ao Guia Lírico de Rio de Contas: “Os poemas de Esther Trindade Serra, que formam o Guia Lírico, recriam, sobretudo, o encantamento da vida da cidade em que ela nasceu e passou a mocidade. […] Através de sua fala, de seus atos, de sua pintura e de sua poesia, D. Esther é, pois, um exemplo para a população local e para os que vêm de fora conhecer a cidade”.
Declarações de Robson Emmanuel Trindade de Lima (sobrinho): “A pintora Esther Trindade Serra soube captar, com tocante sensibilidade, as imagens do nosso passado recente. Suas pinturas cheias de cor e alegria nos mostram paisagens da Chapada Diamantina, cidades do interior e seu povo cheio de religiosidade, a chegada dos bandeirantes desbravando o sertão em busca das nossas riquezas, os tropeiros, as feirinhas do interior, as festividades, a flora e a fauna com toda sua beleza ingênua”. “Os artistas com suas obras são os responsáveis pela História como um registro humano. Um povo que não tem cultura não tem passado nem futuro”.
Declarações de Ordep Trindade Serra: (filho) “Era uma mulher forte, enérgica, cheia de iniciativa. E de criatividade”. “Tinha muitos amigos e conhecidos. Muitas pessoas a procuravam em busca de ajuda”. “Gente pobre e desamparada, incluindo mendigos e prostitutas”. Pela Fundação Nacional Pró-Memória, foi lançado o livro de poemas Guia Lírico de Rio de Contas (publicado postumamente) em 1987. A cientista e pensadora portuguesa Judite Cortesão disse que estava diante do trabalho de uma artista de valor com um estilo marcante, afirma Ordep.
“Um adversário político a procurou, e ela fez um belo discurso a fim de propiciar-lhe boa estreia na cena pública. É que, para ela, a amizade estava acima das divergências”. O texto de Ordep é uma pérola de sentimentos, infelizmente não podemos transcrevê-lo na íntegra, por falta de espaço.
Declarações de Celeste Trindade (filha): No discurso de agradecimento, a professora Celeste, na inauguração do CRAS (Centro de Referências de Assistência Social) da Baraúna, em homenagem à sua mãe, relatou diversos feitos desta, com destaque para o que, segundo aquela, nem todos sabem – “é inerente à sua personalidade de mulher cristã enorme caridade para com os mais pobres, os mais humildes, os desajustados, os oprimidos, os desassistidos, os excluídos. Fazia partos desde o povoado de Jequi, situado no município de Iramaia, nas roças, a lombo de burro, aplicava injeções, acudia os que a procuravam, visitava presos na cadeia, fazia visitas a parturientes, prostitutas e cuidava das doenças inerentes à profissão destas, sem preconceitos nem falso pudor. Mas o que lhe dava maiores alegrias era o partejar”.
Professora Celeste finalizou seu discurso com o semblante carregado de saudades e emoções. Agradeceu o gesto de homenagear sua mãe de maneira que mais traduz o que foi a sua vida.
A Neta Rebeca fez o seguinte depoimento por intermédio de Celeste: “A vida de vovó e o seu testemunho diário de fazer o bem sem olhar a quem foi que me deram forças para enfrentar a vida de deficiente visual causada pela mesma diabetes que a vitimou. Aprendi com ela a não conhecer e não alimentar preconceitos, a ver todas as pessoas como iguais”.
Declarações de Marise Trindade Lima (sobrinha): “Sou mãe de 11 filhos, deles 6 partos foram feitos por tia Esther. Ela era uma mulher mandona. No Jequi, caçava, montava em animais para fazer partos, apesar da coragem e da impetuosidade, tinha medo de trovão, era muito festiva e fazia vatapá no dia do santo.” Lembra que seu Pedro trabalhou na empresa Belaniza Pereira e num depósito onde hoje funciona a Cesta do Povo, no qual chumbo extraído de Macaúbas era armazenado e, posteriormente, enviado pelos vagões da Viação Férrea Federal Leste Brasileiro (VFFLB) até Santo Amaro da Purificação.
Declarações de D. Esterlina Cardoso dos Santos (amiga): “Conheci D. Esther por intermédio de Antônio Trindade, seu irmão, advogado provisionado que atuava em várias comarcas da região. Grávida, fui orientada por ele para procurar Esther que era parteira consagrada em Brumado. Fui à sua residência, combinamos tudo, e ela não cobrou nada pelos serviços de parteira. Era uma pessoa que não olhava a quem ajudar, fazia tudo por caridade. A partir de então, tornei-me sua amiga. Aparou Açucena e Simone. Ela não mereceu a morte que teve. O diabetes consumiu o seu corpo”. Contou que o marido, alcoólatra, mandava o filho ir à venda comprar bebida, mas o menino, envergonhado, esquivava-se, e o pai o surrava, obrigando-o a fazer os seus mandados. Esther, sabedora da situação, dirigiu-se ao indivíduo e o reprimiu: “No dia em que você mandar o menino comprar bebida, eu mando a polícia prender você! Aliás, isso eu mesma faço”. Nunca mais o homem obrigou o filho a comprar cachaça.
O professor Eliane José Soares, que hospedara a prima “Celestinha”, fez um poema em preito à tia Esther, por ocasião da homenagem prestada a ela pela acadêmica Célia Telles Dias que a escolheu como patronesse do seu trabalho realizado na Academia de Letras e Artes de Brumado (ALAB). Inspirado nas palavras e no relato de Célia, ele produziu o poema que intitulou “Tia Esther”, abaixo transcrito.
TIA ESTHER
Como é bom ouvir falar/de quem soube amar,/e por amor/ fez partos, pariu, partiu. Mas antes de partir/fez contos/fez cantos/e cantou. Cantou Hinos de Louvor. Antes de partir/ viu a vida. Pintou o que viu. E amou tudo,/ tudo que Deus criou: O que pariu/O que não pariu/O que cantou/O que viu/ O que pintou/O que viveu/da vida vivida./Amou a vida, enfim,/assim como Deus criou./E amou também a Deus,/amou com todo fervor;/Por isso que o seu canto/ é canto de louvor,/é canto de gratidão.
(Eliane José Soares)
O casal Miguel Lima Dias/Célia ciceroneou Celestinha que havia estado aqui 20 anos atrás, mostrou-lhe o progresso da cidade e a cultura aqui desenvolvida, uma recepção que muito agradou à visitante de Brumado.
D. Esther pintou, em 1972, um mural que retrata temas sugestivos sertanejos para ornar o gabinete do então prefeito, o qual foi restaurado em 2003, pelo sobrinho Robson Trindade, também artista, que cultua e venera a tia Esther.
A sua pintura, rica em cores, versa sobre os temas que mais a inspiravam: o sertanejo, as igrejas, casarios, santos, flores, animais e o povo humilde. Em seu perfil, pugnava em defesa da natureza.
Pelo Decreto n. 4.533, de 15 de maio de 2012, o Prefeito do Município de Brumado decreta: Fica denominado o CRAS – Centro de Referências de Assistência Social – ESTHER TRINDADE SERRA, localizado na Rua Hortelina Alexandre de Oliveira, 235, Bairro Baraúnas, integrado à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Cidadania.
Essa homenagem bem define o caráter e as caraterísticas da homenageada pelos seus atos e atitudes. Celeste Trindade, representando a família, recebeu e agradeceu a homenagem à sua mãe, que bem a merece.
Na oportunidade, o prefeito Eduardo Vasconcelos explicou-se, dizendo-se incompreendido pelo fato da destruição do mural pintado por D. Esther no gabinete do prefeito e que daria explicações pessoalmente a Celeste e, por consequência, à família.
Esther Trindade Serra faleceu em 31 de agosto de 1987, vitimada pelo diabetes. Encontra-se sepultada em Brumado, no cemitério Municipal Senhor do Bonfim, no jazigo da família.
Tudo acabou/Acabou…/D. Morte que tempo/ perdido o seu/você leva, mas,/cada um/permanece/ redivivo, na/lembrança dos que/vão ficando!/Você devia saber:/A saudade, é muito/semelhante à/ eternidade. (Esther Trindade Serra)
Referências:
Célia Teles Dias, em homenagem à patronesse Esther Trindade Serra na Academia de Letras e Artes de Brumado (ALAB);
Livro Guia Lírico de Rio de Contas, de autoria de Esther Trindade Serra;
Blog de Ordep Serra. http://ordepserra.blogpost.com.br;
Declarações de Robson Emmanuel Trindade Lima na imprensa local;
Prefeitura Municipal de Brumado;
Discurso de Celeste Trindade;
Poema e orientação do professor Eliane José Soares;
Entrevistados.
Revisão: Nifra Dias.