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Toga das redes sociais

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É assustadora a falta de compreensão das autoridades brasileiras com os novos meios de comunicação da era digital, especialmente com as redes sociais. Não bastasse a preguiça criminosa do Poder Legislativo em criar um marco regulatório para as atividades na internet, o universo virtual ainda é baleado por decisões temerárias e impraticáveis do Judiciário. Ou será que os nossos gloriosos togados temem o advento da democracia efetiva no solo da Cabrália?!

Observemos a jurisprudência criada na última terça-feira, dia 19 de junho, pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Uma internauta carioca processou o Google Brasil em 2006, alegando que a rede social do grupo (o Orkut) demorou dois meses para retirar do ar um perfil falso com seu nome, que estaria sendo utilizado para macular sua imagem. Em primeira instância, o provedor foi condenado a pagar indenização de R$ 20 mil por danos morais, reduzidos a R$ 10 mil em segunda instância. Após novo recurso do Google, o caso foi parar no STJ. Registre-se: a ação simples levou seis anos para ser julgada!

Coube à ministra Nancy Andrighi realizar o relatório da matéria, aprovado por unanimidade pelos demais pares na sessão: Massami Uyeda, Sidnei Beneti e Ricardo Villas Bôas Cueva. Corretíssima, a magistrada manteve o valor da indenização em R$ 10 mil considerando que 60 dias para retirar do ar um perfil falso e com objetivos escusos é “um período indiscutivelmente longo e que por certo sujeitou a recorrida a abalo psicológico que justifica sua indenização por danos morais”.

No entanto, o que espanta – e é, no mínimo, preocupante – foi o Acórdão produzido. Por ele, o STJ determina que os provedores de redes sociais – Facebook, Twitter, Orkut, etc. – retirem posts com imagens e/ou textos ofensivos em até 24 horas, bastando denúncia de apenas um usuário. Em seu relatório, a ministra enfatizou que a exclusão dos posts é uma “medida preventiva”, até que os websites julguem se o comentário é ou não uma ofensa ou crime e se a denúncia realmente procede. Paradoxalmente, a decisão não determina um prazo para esse “julgamento” dos provedores.

Ora, convenhamos: com essa determinação, os quatro ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça revelaram a absoluta ignorância das autoridades quanto ao funcionamento das redes sociais. É fato a urgência na criação de mecanismos que possam regrar a punição aos internautas que utilizam as redes com a finalidade de insultar, difamar e até praticar crimes, desde a menor monta até os gravíssimos e hediondos.

Ordenar que, bastando uma única denúncia, o post seja retirado do ar “preventivamente” em até 24 horas, mas sem qualquer prazo para que seja feito um “juízo de valor”, é um redondo absurdo, um acinte à inteligência. Vejamos um exemplo: em seu perfil no Facebook, um cidadão diz que “Lula e Maluf são irmãos siameses”, a propósito da aliança dos políticos na campanha eleitoral paulistana. Conforme determinação do STJ, basta que um internauta praticante da seita lulo-petista denuncie tal post e o provedor deverá retirá-lo do ar imediatamente. Ao autor restará aguardar o julgamento de sua opinião por parte das “bancadas moderadoras” das redes sociais.

A decisão do STJ fere a razoabilidade, não apenas pelo caráter impraticável da medida, mas por transferir aos provedores uma atribuição do Poder Judiciário. Pior: exigindo uma urgência temporal que a própria Justiça brasileira é incapaz de cumprir (vide o processo em questão, que demorou seis anos para ser julgado; ou o caso do Mensalão, que só deve chegar ao fim passados sete anos de tramitação). O ideal é que, ao se sentir insultado, aviltado ou criminosamente atacado, o usuário recorra à Justiça pela garantia de seus direitos e que esta venha a agir com celeridade – algo incomum no Brasil! – para responsabilizar e punir o agressor, quando assim merecer.

Vale ressaltar, também, que a balança da Justiça parece avariada. Determina-se, sem qualquer critério, a cassação da opinião de um usuário nas redes sociais mediante uma única denúncia. Em contraponto, se um político ou apaniguado comete os mais graves crimes contra o patrimônio público, denúncias oficiais e milhares de páginas de processos judiciais não são capazes de tirá-lo do cargo “preventivamente”, até que a ação seja apurada, discutida e tenha transitado em julgado, condenando ou absolvendo o réu. Exemplo mais atual que o da empreiteira Delta não existe. Mesmo encalacrada até o último fio de cabelo dos seus executivos e sócios – ocultos ou não! –, a empresa continua vencendo licitações nos governos e movimentando bilhões de Reais, a despeito de CPI, CGU, PGR, Polícia Federal e da própria Justiça. Quantos são os pesos? Quais são as medidas?

Fique claro: sem compreensão da dinâmica das mídias virtuais, seu regramento pelas “notáveis” autoridades finda por impraticável e ineficaz. Soaria deboche, não fosse pelo cheiro nauseabundo do famigerado “Controle Social das Mídias”, tão desejado pelos figurões do (des)governo que impera há uma década no Brasil. Disfarçada de boa ação contra criminosos da internet – e eles são muitos! –, a toga das redes sociais abriu caminho para o amplo e irrestrito cerceio imediato das opiniões, próprio aos que temem o poder democrático. Não por acaso, foram as redes sociais que mobilizaram multidões nos últimos anos contra governos autoritários ao redor do planeta.

Precisamos estar sempre atentos, pois no trato às liberdades de expressão e opinião, vale a máxima: “eles” vão tirando aos poucos, bem devagar, diariamente, e você nem percebe. Quando acorda, a “mordaça” já está em vigor.

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