Na última sexta-feira, dia 02 de março de 2012, o Salão Nobre do Palácio do Planalto foi o cenário de duas cenas – aparentemente – inusitadas. A primeira foi a quantidade de autoridades presentes – de deputados e senadores a ministros de Estado – à cerimônia de posse de Marcelo Crivella no Ministério da Pesca e Aquicultura, numa manhã de sexta, dia morto nos corredores dos vagabundos palacianos – apesar de dia útil para a grande maioria dos trabalhadores brasileiros. A outra cena marcante ficou por conta da presidente Dilma Rousseff, que deixou a sisudez e a dureza de lado, e chorou. Lágrimas amargas fique claro. Mas você sabe por quê?
Vamos à análise do contexto governamental nos últimos dias. Recentemente, o secretário-geral da Presidência da República, ministro Gilberto Carvalho, furioso com as investidas da bancada evangélica do Congresso Nacional, partiu para o ataque e destilou uma série de impropérios, inclusive contra os fiéis. Irritou e provocou reação imediata, inclusive de Dilma, que teria ficado furiosa com as declarações de seu ministro. Nos dias seguintes, Carvalho foi obrigado a se desculpar publicamente e ir à Câmara dos Deputados prestar os devidos esclarecimentos. Mas a pressão por mais cargos no governo seguiu sem dó ou piedade.
Por outro lado, a crise de poder entre o PT e o PMDB – que já era grande – ultrapassou qualquer limite sustentável nas últimas semanas. O “partidão” do vice-presidente Michel Temer e do mandatário do Legislativo, senador José Sarney, quer mais espaço no governo Dilma. Só para que se tenha uma ideia da dimensão desse embaraço, na segunda-feira, dia 27 de fevereiro, a alta cúpula peemedebista se reuniu para um jantar, em Brasília, na casa da governadora do Maranhão, Roseana Sarney. No cardápio, a crítica feroz ao PT e, especialmente, aos ministros petistas Gilberto Carvalho e Ideli Salvatti (Relações Institucionais), que estariam barrando a nomeação dos apaniguados do PMDB. O banquete foi “saboreado” pelos mais poderosos caciques do partido.
Logo na terça-feira, parlamentares do PMDB lançaram o “Manifesto Anti-PT”, questionando a autoridade da presidente Dilma Rousseff e a voracidade do Partido dos Trabalhadores por abocanhar os principais cargos do primeiro e segundo escalões do Governo Federal, vertedouros do dinheiro público que engorda os sujíssimos cofres do “Caixa 2” dos partidos políticos. O PMDB também quer, ora bolas! “Esse PT quer tudo. São uns egoístas!”, bradava um deputado pelos corredores do Congresso, em busca de assinaturas no documento de protesto. O manifesto foi amplamente assinado e recebeu, inclusive, o apoio total do presidente nacional interino do PMDB, senador Valdir Raupp, que só não colocou seu nome lá por medo de uma reação do Palácio do Planalto.
Por uma dessas coincidências da vida política brasileira, justamente nesses dias, o famigerado “fogo-amigo” da base aliada vazou à imprensa denúncias de corrupção na administração do Banco do Brasil e do Previ, fundo de pensão de seus funcionários, redutos de acirradas disputas entre papagaios do PT e do PMDB. Em um dos casos, há denúncias de que um ex-vice-presidente do BB teria recebido cerca de R$ 1 milhão em sua conta corrente, fruto de misteriosas movimentações que envolvem até o salário mínimo de uma aposentada correntista do banco estatal. Na mesma rota, o atual vice-presidente de Governo do Banco do Brasil está com a corda no pescoço e a presidente Dilma já deu autorização ao ministro Guido Mantega para coloca-lo no olho da rua. Por óbvio, o defunto nem está frio e petistas e peemedebistas já batem cabeça pelo cargo que irá vagar.
E tem mais! Essa querela no Banco do Brasil e no Previ vem de 2011, quando o “poderoso” vice-presidente de Governo do BB pretendia emplacar na sua “cota” o novo presidente da privatizada Companhia Vale do Rio Doce, após a suspeita saída do bem-sucedido Roger Agnelli. Uma de suas sugestões foi a indicação de seu superior, Aldemir Bendine, presidente do banco. Mas o ministro Guido Mantega preferiu indicar Murilo Ferreira. Bendine, funcionário de carreira do BB, sentiu-se traído e, desde então, faz jogo-duro com o Ministério da Fazenda e com o governo Dilma. Imediatamente, o recado da presidente foi um só: está decretada a “lei do silêncio” e ninguém pode mais falar publicamente sobre o assunto, sob pena de exoneração sumária.
No entanto, isso não foi suficiente para acalmar os ânimos em Brasília. A chapa está quente… pelando! Eis que, no fim da noite de quinta-feira, dia 1º de março, Dilma Rousseff – a princípio em sigilo – pegou uma aeronave da Força Aérea Brasileira e foi parar em São Bernardo do Campo. Quando a notícia vazou, a assessoria palaciana tratou de dizer que a presidente foi fazer uma visita cordial e de solidariedade ao ex-presidente Lula. No entanto, os cochichos nos corredores dizem outra coisa: segundo alguns deputados e senadores, Lula convocou Dilma para uma reunião de emergência, em seu apartamento, para dar-lhe um “puxão de orelhas” e apertar os calos da “gerentona-geniosa”, obrigando-a a acatar as exigências do PMDB, de quem se tornou refém.
A verdade é que o ex-presidente Lula teme pela saúde do governo Dilma. Principalmente agora, com o tucano José Serra disposto a enfrenta-lo na disputa por São Paulo e pronto para voltar com força total ao cenário político nacional. Lula também está preocupado com a possibilidade de que a pancadaria entre os partidos da base aliada repita a tragédia de seu primeiro governo, quando as disputas internas culminaram numa avalanche de denúncias de corrupção e, por fim, no escândalo do Mensalão. Ele sobreviveu à tempestade. Mas teria Dilma o mesmo fôlego? Melhor não arriscar!
Dilma saiu arrasada do apartamento de Lula. Muito além de ter seu poder presidencial questionado, foi obrigada a aceitar uma série de barbaridades governamentais em nome de um amor obsessivo pelo poder e de um “projeto maior”. Naquela mesma noite, o senador evangélico Marcelo Crivella (PRB-RJ) foi anunciado como o novo ministro da Pesca e Aquicultura. E na sexta-feira, em cerimônia de posse organizada às pressas, centenas de autoridades se aglomeraram no Palácio do Planalto para assistir não a ascensão de Crivella, mas o desterro da autoridade política de Dilma Rousseff. Não por acaso, ela chorou. E reitero: lágrimas amargas.
Faz-me lembrar o clássico alemão “As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant”, do genial cineasta Rainer Werner Fassbinder. Em 1982, em adaptação para o teatro, a monumental Fernanda Montenegro brilhou absoluta nos palcos brasileiros ao dar vida à protagonista. Petra Von Kant é uma mulher forte, egocêntrica e arrogante, acostumada a ser respeitada por seu estilo genioso e sua onipotência. Mas Petra desaba quando se apaixona perdidamente por uma jovem oportunista, que usa e abusa dela até destruí-la por completo. Para a tristeza de um país que acreditou na força e no poder da presidenta, estamos nos dias das lágrimas amargas de Dilma Rousseff.