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O BONDE DO DESCASO

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Em mais um episódio trágico, a realidade do Rio de Janeiro é exposta aos olhos consternados do Brasil. A “Cidade Maravilhosa”, que pretende abrigar a abertura da Copa do Mundo de 2014 e que irá sediar os Jogos Olímpicos de 2016, é protagonista de outro acontecimento funesto, que desta vez matou 05 pessoas e deixou outras 57 gravemente feridas. O acidente com o histórico Bondinho de Santa Teresa, um dos equipamentos turísticos mais famosos da capital fluminense, entra para as estatísticas das mazelas que, nem o governador Sérgio Cabral Filho, nem o prefeito Eduardo Paes, parecem estar preocupados. Muito além das bravatas politiqueiras de ambos, há um caos transbordando diante de quem vive ou visita o Rio de Janeiro.
Quem desembarca no Aeroporto Internacional Tom Jobim, o Galeão, entrará no Rio de Janeiro através de uma via expressa cercada por tapumes (supostamente artísticos) para evitar que sejam avistados o amontoado de barracos do Complexo do Alemão, de um lado, e a nojeira da Baía de Guanabara poluída, de outro lado. O transporte público carioca é paupérrimo e precário e uma das alternativas, o Metrô, não passa nem perto dos dois principais aeroportos e do terminal rodoviário intermunicipal. Nas ruas, o número de relatos de assaltos volta a crescer e o transeunte, ou tropeça na população em situação de rua e na criançada abatida pelo avassalador domínio do crack, ou corre o risco de ser vítima das constantes explosões dos muitos bueiros que dominam as calçadas.
Para quem está achando que este é um retrato fatalista da realidade carioca, pode apostar que esses são apenas alguns poucos exemplos do que se tornou o Rio de Janeiro após algumas décadas de descaso governamental, onde grupos quase feudais vão se alternando nas gestões estadual e municipal e com profundos tentáculos nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Por baixo dos panos, mas por cima da “carne-seca”, reinam absolutas as máfias da contravenção, as milícias fardadas (ou não), as gangues de traficantes e, como não poderia ser diferente, os bandidos do “colarinho branco”. Aquele que ousa questionar essas turmas e pretende trabalhar honestamente e cumprir as atribuições de suas funções, corre o risco de terminar como a juíza Patrícia Acioli, assassinada com 21 tiros, cujas balas pertenciam a um quartel da Polícia Militar. Isso é paraíso em que planeta?
É importante observar que o Bondinho de Santa Teresa exerce duas finalidades de importância vital para o bairro carioca: transporte público e passeio turístico. Então, vejamos um detalhe: uma das costumeiras alegações para a péssima qualidade dos serviços prestados reside na escassez de recursos das três esferas de governo, apesar da monstruosa carga tributária que pagamos. Eis que, no último mês, dois grandes escândalos revelaram alta corrupção no topo dessa cadeia: os Ministérios do Turismo e dos Transportes, de onde poderiam ser destinadas verbas, neste caso emblemático, para revitalizar e modernizar o Bondinho. Ou que fossem apenas recursos para a realização de uma manutenção decente nos veículos (o bonde acidentado tinha uma gambiarras feitas com arame ao invés de parafusos). Nem isso! A endêmica corrupção brasileira segue atuando descarada e criminosamente sob os auspícios de uma imperiosa impunidade.
Para que não reste qualquer dúvida sobre o descaso com que o Governo do Estado do Rio de Janeiro e a Prefeitura da “Cidade Maravilhosa” tratam uma tragédia como a que chocou o país no último sábado, foi determinada a suspensão temporária dos serviços do Bondinho de Santa Teresa e, na estação principal de onde parte o equipamento, como exibiu para o mundo o telejornal matutino da maior emissora de TV do país, só havia uma folha de papel onde era possível ler, escrito com caneta esferográfica azul, o motivo da interrupção do transporte: “suspenso por força maior”. Quer precariedade mais explícita?
Certamente a impunidade e a leniência das autoridades políticas devem ser essa tal “força maior”, que mais uma vez matou vários e deixou dezenas de feridos. Neste final de semana, o bairro de Santa Teresa foi apenas um microcosmo de como está o Brasil, a potência do futuro, o país da Copa e das Olimpíadas, o gigante latino-americano, o lugar que roga para si a naturalidade de Deus. De que adianta tudo isso nos discursos e escrito nos papéis (até por canetas esferográficas), quando, de fato, a realidade de miséria, violência e corrupção se impõe diariamente na vida real do brasileiro? No governo passado foi o bonde do mensalão. No mês passado, o bonde da “pseudofaxina”. Ontem foi o bonde do descaso no Rio de Janeiro. Quantos mais serão necessários?

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