Como jurado de festivais de poesia estudantis realizados na Grande BH, tive uma grande e grata surpresa em minha vida: a que a poesia existe, não apenas dentro, mas fora da gente. Não que tivesse dúvida, mas não sabia do seu potencial social, cultural e transformador.
Realizados sempre em escolas da rede pública, participei dos festivais juntos às escolas dos municípios de Ribeirão das Neves, Vespasiano e Santa Luzia. Ao primeiro contato, equivocadamente, acreditei encontrar textos falando de violência, exclusão social, drogas, desesperança. Para minha surpresa maior, já ao festival da primeira cidade, Ribeirão das Neves, fiquei maravilhado e surpreso com a qualidade dos textos e a beleza dos temas. Entre tantos que li, apenas um trazia a violência como mote.
Ah, não consigo descrever o que senti ao final de toda a avaliação, mas tive um orgulho danado por ser brasileiro e uma certeza indescritível de que a poesia existe e ela é palpável, parte de nossas vidas, dentro e fora de cada um de nós. Pensei comigo, diante de tantos belos e comoventes textos, com toda aquela gama de sentimentos e potencialidades: o que falta para os meninos do Brasil é oportunidade, é formação.
Tocado por tudo aquilo que estava à minha volta, fui longe quando pensei: quantos Carlos Drummond de Andrade matamos todos os dias por causa da exclusão social, da falta de um sistema de ensino verdadeiro, pela desesperança? Todos aqueles poemas eram o produto de meninos em busca de um pais, de um lugar ao sol que insiste mais em cegar que revelar um caminho. Recebiam quase nada e ainda eram capazes de transmutar a falta de quase tudo em sentimentos, versos e palavras. Essa é a poesia nossa de todo dia, esse é o pais que deveria ser.
Entre os muitos textos, três eram da mais alta qualidade e beleza. Fui saber mais sobre o autor, ao qual se revelou ser uma menina com mais de 20 anos, bem acima da idade máxima permitida para o festival: 17 anos. Sugeri que a autora fosse homenageada dentro do Festival, ao que foi, merecidamente, aceito por todos. Não poderia decepcionar uma vez mais a poesia que Deus colocou grande nela.
Ela, um talento, pelo endereço, residente em área humilde de Ribeirão das Neves. Talvez, privará o mundo de sua poesia, da magia de seus versos, da distinção de seus valores. Assim evapora o futuro do Brasil em pelo sol do meio dia, para a pobreza e tristeza de cada um de nós, diante dos olhos abertos e complacentes de toda a nação.
Sem poesia, os jovens brasileiros – o futuro de um povo – vivem a triste e dura realidade do dia-a-dia, aquela que rejeita sonhos e debocha dos distintos valores humanos. Os menos convictos, por certo, trocarão a caneta pela faca, o livro pela arma, na busca de realizar seus sonhos, de ter um lugar decente para viver. Ainda assim, eles acreditam na vida e, sozinhos em seus quartos, são capazes de colocar sobre o papel uma visão de mundo, a crença nos homens, a fé que mantém a velha chama acesa. Foi isso que li, foi isso que bebi em muitos poemas lidos naquela tarde. Até hoje, dentro de mim, a magia daquele momento, arde.
Na verdade, para a poesia e para os filhos da poesia, falta um pais, esse que é habitado apenas pelos sonhos de nossas canções, pela magia de nossas crenças, pela nobreza de nossos valores, e pela esperança, essa que, como a poesia, nunca morre em nossos corações, essa que eles nunca conseguirão nos roubar.