Você já dormiu com alguém que ronca?
Ela já!
“Preciso deitar e dormir antes dele.”
– Boa noite, amor.
“Boa noite, meu dengo. Não dorme não, espere que eu durma primeiro.”
Ele com a cara mais indignada do mundo:
– Falou aquela que não ronca.
“Meu ronco é mansinho, nem te atrapalha.”
– Não? Você não ouve, por isso pensa assim.
Silêncio.
Após meio segundo de silêncio houve um helicóptero que se aproxima.
Primeiro mansa e delicadamente.
“Eu não acredito que Ele já dormiu. Não é possível.”
Depois com maior velocidade e dinamismo, parece que vai levantar voo a qualquer momento.
“Misericórdia! Como dorme rápido esse homem.”
Chacoalha o moço com força e ele dá um longo suspiro e muda de posição:
“Amor, você disse que ia me esperar dormir primeiro.”
– Estou esperando.
“Tá nada. O ronco já está comendo solto. Vai ler um livro enquanto eu durmo. Juro que pego no sono rápido.”
– Hum hum.
Vira para o outro lado e continua dormindo, ainda em absoluto silêncio.
“Dorme, dorme, dorme. Dorme rápido antes que ele volte a roncar.”
O helicóptero começa a fazer seu barulho característico e Ela nem vê quando pega no sono.
A moça sabe que também ronca depois que dorme. Algumas vezes, Ele a filmou para provar que também é incomodado durante a noite. E o pior, o ronco dela, cada noite, é de um jeito, não existe essa história de ser apenas uma coisa, somente o helicóptero.
A noite passa tranquilamente, ao menos para Ela, mas, de manhã logo cedo, junto com a chegada do sol, Ela escuta o helicóptero voando baixo, bem no seu ouvido.
Sacode de um lado, sacode do outro e nada.
“Eu não quero acordar tão cedo, mereço dormir até o despertador tocar.”
Sacode de um jeito e Ele para. Antes que seu braço se acomode na cama, o helicóptero volta.
“Tadinho, já dormi a noite inteira, deixe-me ver se consigo administrar esse ronco. Como será que consigo colocá-lo dentro do meu sono?”
Pensou Ela, complacente com o seu amor.
“Vou pensar que estou em um heliporto esperando meu helicóptero particular, assim, consigo colocar o ronco dele no meu sonho e durmo.”
De um minuto para o outro Ela estava em uma sala onde amigos que há muito Ela não via separavam roupas para um bazar.
Foi quando sua tia, que nem frequenta aquela comunidade, chegou e começou a tumultuar o ambiente. Falando umas coisas desconexas, atrapalhando o começo da reunião que aconteceria enquanto eles separavam as roupas.
Ela, que nunca se posicionava em situações de conflito, resolveu intervir:
“Então tá, tia. Vamos agora orar para começar a reunião. – a tia parece que concordou e ficou em silêncio.- Senhor Deus, obrigada por estarmos aqui reunidos…”
Foi quando Ela sentiu seu corpo todo chacoalhar:
– Amor, amor, acorda! Você está falando.
Ela acordou assustada:
“Eu falando? Claro que não!”
– Você estava falando, orando, menina! Oque aconteceu?
“Eu não! Eu acabei de conseguir dormir. Coloquei seu ronco no meio do meu sonho. Tudo estava se encaixando direitinho. Minha tia estava falando, cada vez que você roncava era ela falando e aí eu dormia sem atropelos. Por que você me acordou?”
A indignação tomara conta da moça.
– Você dorme tranquilamente e eu? Como eu fico?
E foi assim que os dois começaram o dia azedos.
Ela, porque tivera o seu drible do ronco interrompido e Ele, porque fora acordado por sua fala inesperada.
– Não tem jeito. De hoje não passa, vamos marcar a consulta com o especialista do sono ou dormir em quartos separados.
E foram, cada um para o seu lado, destilar seu azedume.