Na sentença, juiz titular da 1ª Vara da Fazenda Pública destaca que o ex-prefeito teria “vilipendiado a tutela da confiança e solapado os princípios da legalidade”
DA REDAÇÃO
Em decisão exarada no último dia 25, o juiz titular da 1ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Vitória da Conquista, Ricardo Frederico Campos, acatou parcialmente a Ação Civil Pública proposta pela titular da 8ª Promotoria de Justiça do município, Lucimeire Carvalho Farias, condenando a empresa Viação Cidade Verde a ressarcir os cofres públicos em R$ 6.135.000,00, à título de perdas e danos; o ex-prefeito Guilherme Menezes de Andrade ()PT) em R$ 635 mil, referente ao pagamento das custas, honorários periciais e honorários de advogados, além de determinar que a Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista, no prazo de seis meses, realize nova licitação pública para concessão dos serviços de transporte público de passageiros atualmente operacionalizado pela Cidade Verde.
De acordo com a Ação Civil Pública, resultante de denúncia formulada ao Ministério Público pelo então vereador Arlindo Santos Rebouças, à época filiado ao Partido da Mobilização Nacional e atualmente no PSDB, a Viação Cidade Verde teria fraudado, com a conivência e omissão do Governo Municipal, em abril de 2013, documentos que justificaram a desclassificação da empresa vencedora do certame, Serrana Transporte e Turismo Ltda. Com a desclassificação da vencedora, a Viação Cidade Verde, segunda colocada no processo licitatório, foi considerada vencedora e formalizou contrato com o poder público mesmo apresentando uma outorga mais de R$ 14 milhões menor que a apresentada pela Serrana Transporte e Turismo Ltda.
Na Ação protocolizada na 1ª Vara da Fazenda pública da Comarca, a promotora de Justiça Lucimeire Carvalho Farias apontou que a desclassificação da empresa Serrana Transporte e Turismo, com base em documento fraudado, teria sido consumada com objetivo de “possibilitar a classificação e contratação da Cidade Verde, com outorga inferior àquela apresentada pela vencedora desclassificada”, violando o dispositivo legal previsto na Lei Federal 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos).
Para a representante do Ministério Público, não caberia apontar a satisfatória execução dos serviços pela concessionária (Cidade Verde) como justificativa para “encobrir a notória violação dos princípios da Administração Pública, como os da legalidade, da moralidade, da supremacia do interesse público sobre o interesse privado, da finalidade, do controle judicial dos atos administrativos”, dentre outros. Na Ação a Promotora de Justiça Lucimeire Carvalho Farias pediu a condenação do ex-prefeito Guilherme Menezes de Andrade (PT) e da empresa Cidade Verde Transporte Rodoviário Ltda a ressarcir os cofres públicos e, para que fossem preservados os interesses da população e não houvesse descontinuidade na prestação dos serviços do transporte público coletivo de passageiros, que a Justiça determinasse que a Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista providenciasse a realização e conclusão de certame licitatório, no prazo de 180 dias, para as linhas integrantes do contrato operados pela Cidade Verde.
Na sua decisão, o juiz Ricardo Frederico Campos acatou parcialmente os argumentos do Ministério Público e condenou a empresa Cidade Verde Transporte Rodoviário Ltda, que segundo a denúncia, além da fraude no documento que possibilitou a desclassificação da empresa vencedora do processo licitatório e sua contratação pelo poder público municipal, não atendeu ao atendeu ao índice de liquidez corrente exigido em Edital, teria praticado falsidades nas demonstrações contábeis e não teria atendido aos requisitos para habilitação econômica financeira, “motivo pelo qual deveria ter sido desclassificada”.
Ao proferir a sentença, o magistrado apontou que “… deveria o Município cumprir o Artigo 64, § 2º, da Lei nº 8.666/93, bem como a regra específica do Edital, item 12.2.4, convocando a empresa Cidade Verde Transporte Rodoviário Ltda para assumir o contrato em igual prazo e nas mesmas ou melhores condições da proposta vencedora do respectivo lote, isso após habilitá-la regularmente. Porém, o Município permitiu a contratação ilegal da empresa, sem respeito às regras editalícias e com prejuízo ao erário”.
Ao condenar o ex-prefeito Guilherme Menezes de Andrade (PT) a arcar com as custas, honorários periciais e honorários de advogados – arbitrado em 10% do valor da causa (R$ 6,135.000,00), ou seja, R$ 613,5 mil – o juiz Ricardo Frederico Campos foi incisivo ao afirmar, depois de apontar quais devem ser, à luz da legislação vigente, as obrigações do gestor público [“…há a necessidade de estrita observância de padrões constitucionais, legais, éticos, de boa-fé, lealdade, de adoção de condutas que assegurem a boa administração e a disciplina interna da Administração Pública”], o que não teria sido observado em Vitória da Conquista no âmbito do processo licitatório de concessão dos serviços públicos de transporte coletivo urbano, que o ex-prefeito Guilherme Menezes, do PT, teria, ao contratar empresa (Cidade Verde) que apresentou documentação irregular, “(…) vilipendiado a tutela da confiança, a boa-fé objetiva, a função social dos contratos e a solidariedade social, isso tudo sem contar que solapou, em muito, os ditames legais e os princípios da publicidade, transparência, lealdade, legalidade, governança, segurança jurídica e eficiência”.
Mais adiante, o magistrado reafirma que após colhidas as provas, teria restado fundamentado a falsa comprovação dos requisitos de habilitação – falsidade ideológica no balanço patrimonial para comprovar falsamente índice de liquidez corrente por parte da empresa Cidade Verde. “Assim, conforme perícia realizada nos autos, restaram configuradas diversas irregularidades (fraudes) apresentadas pela Cidade Verde quando da apresentação de seu balanço e documentos contábeis, que não foram identificados, não se sabendo por qual motivo, pelo Município de Vitória da Conquista… Por conseguinte, deve ser declarado nulo o contrato administrativo relativo à concessão da prestação do serviço público de transporte coletivo no Município de Vitória da Conquista assinado com a Cidade Verde”.
Ao assentar a pena para a empresa Cidade Verde Transporte Rodoviário Ltda, o magistrado destacou que o valor da lesão e das perdas e danos, no seu entendimento, correspondia ao valor da outorga ofertado, ou seja, R$ 6,135 milhões, que “deve a ré (Cidade Verde) sofrer a perda deste valor em benefício do Município de Vitória da Conquista, tendo em vista a sua atitude de fraudar a licitação objeto da presente, bem como onerar o município e a população de Vitória da Conquista com a realização de nova licitação, para sanar as ilegalidades aqui encontradas”.
O magistrado também deferiu a tutela antecipada (liminar) requerida pelo Ministério Público concedendo, no entanto, prazo de seis meses para que a Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista proceda à realização de novo certame licitatório do lote do transporte público operacionalizado pela Cidade Verde.
Outro lado
O ex-prefeito Guilherme Menezes de Andrade (PT) reafirmou, em nota distribuída à imprensa, que o processo licitatório vencido pela empresa Cidade Verde Transporte Rodoviário Ltda e a formalização do contrato de concessão do transporte público coletivo urbano foi conduzido dentro dos limites da legislação vigente. O petista disse que vai recorrer da sentença em que foi apenado a arcar com as custas, honorários periciais e honorários de advogados, arbitrado R$ 613,5 mil.
Confira a íntegra da nota distribuída pela Assessoria do ex-gestor:
“O ex-prefeito de Vitória da Conquista, Guilherme Menezes, reafirma que todos os atos da licitação do serviço do transporte coletivo de Vitória da Conquista se deram com ampla transparência, alicerçados, como deve ser, na legalidade e moralidade administrativa. Reafirma, ainda, que as decisões foram tomadas em estrita consonância com as determinações emitidas pelo Ministério Público e chanceladas, por unanimidade, pelo pleno do TCM/BA, conforme reconhecido na própria sentença judicial. Quanto aos aspectos contábeis da empresa licitante, foi afirmado por perito judicial e reconhecido pelo próprio magistrado que “não havia como o Município de Vitória da Conquista constatar a fraude praticada” durante o processo licitatório.
Ressalte-se, portanto, que na sentença não há afirmação de que o ex-gestor tenha cometido qualquer fraude nessa licitação. Deste modo, é imperativo que seja reconhecida, também, a atuação legítima da Comissão Especial de Licitação e dos servidores municipais, já que não houve qualquer tipo de imprudência ou omissão ilícita, sendo que os eventuais erros contábeis são de responsabilidade unicamente da empresa. Sendo assim, no exercício dos direitos assegurados na Constituição, informa que recorrerá da decisão judicial que lhe determinou o custeio dos honorários processuais.”
A reportagem não conseguiu ouvir a defesa da empresa Cidade Verde Transportes Ltda. No escritório (77 3420-6800) a informação era que não haveria ninguém autorizado a falar e foi indicado o telefone de um advogado. Contatado, o advogado disse que assumiu a Assessoria Jurídica da empresa após o início do processo e que o advogado responsável pela defesa da empresa seria o advogado paulista Edimilson Ferreira da Silva (11 4594-7297).
O JS tentou, insistentemente, ouvir o advogado Edimilson Ferreira da Silva, mas o mesmo não foi localizado e, apesar de ter sido, segundo um de seus assistentes, informado do assunto, não retornou as ligações.
Já a Prefeitura Municipal de Vitória da Com quista, por meio do Coordenador de Comunicação da Secretaria Municipal de Comunicação Social, jornalista Cauê Marques Magalhães, respondendo a questionamento feito pela reportagem do JS, informou que “a decisão judicial referente a Ação Popular nº 050.1761-94.2013.8.05.0274, relativa ao contrato com a Viação Cidade Verde será cumprida em estrita conformidade à Lei, buscando garantir a prestação do serviço público de transporte de passageiros no município”.