E, um dia, quando Ela terminou de contar o que sua amiga estava vivendo, Ele falou com seu jeito manso de sempre:
“Você dever aprender com a surra do outro.”
Ela pareceu admirar-se:
– Como assim?
“Ué! Quando alguém for por um caminho e se der mal, você siga por outro.”
Sinceramente, Ela não acreditava que a amiga se dera mal:
– Não pode acontecer de eu andar pelo mesmo caminho e ser diferente?
Sem mudar a expressão:
“Claro! Pode acontecer. Mas dificilmente assim será.”
Ela se ajeitou no sofá, para que o corpo concordasse com o que falaria:
– Posso muito bem fazer dar certo, andar por ele e não sofrer.
Sem desviar o olhar do jornal, sorriu:
“Se milhares por ele passaram, sofreram, se esfolaram, por que razão você se daria bem?”
Mexendo nos cabelos como se pudesse convencer o mundo:
– Tenho talento, posso fazer diferente.
Ele sorriu, tirou os óculos, abaixou o jornal, passou mansamente a mão magrela pelos cabelos:
“Minha querida, escute com atenção o seu velho pai, é impossível passar pelo fogo sem ficar ao menos chamuscado. Não há como. Eu sei. Você pode me dizer que o fogo faz que quem por ele passe saia mais forte, transformado, purificado. Mas isso vale para o ouro, para o milho da pipoca e para aquele que não tem escolha, quando vê está no fogo. Sua amiga, agora já está vivendo essa situação, não há o que fazer, é viver e dela sair mais forte. Tenho certeza de que assim ela sairá, muito mais forte. Mas estou falando aqui de quem pode escolher em qual situação entrar. Estou falando de você, que pode hoje escolher qual caminho tomar. Estou te dizendo que, se você decidir andar por esse caminho, sua vida pode ser mais difícil. Só isso.”
Agora sim, Ela começou a refletir:
– E, se mesmo assim, mesmo correndo o risco de me queimar, de sofrer, eu escolher seguir o mesmo caminho que minha amiga?
Ele fica visivelmente admirado:
“Vou pensar que você não é assim tão inteligente quanto eu imaginava.”
Ela já não estava tão esticadinha no sofá:
– Tá me chamando de burra?
Mesmo sem perceber, Ele começou a falar um pouco mais rápido, levemente mais alto:
“Se você tem a sua frente dois caminhos, um largo e florido e outro estreito e cheio de espinhos, e prefere escolher o mais difícil, eu sinto dizer, mas parece ser pouco inteligente.”
A essa altura, Ela estava de braços e pernas cruzadas:
– Mas eu quero.
Ele, de um segundo para o outro, teve seu rosto transformado, arregalou os olhos e perguntou sem rodeios:
“Você já está no meio do caminho? Não há mais tempo de escolher, minha filha? É isso mesmo?”
Ela que não tinha mais para onde se encolher respondeu baixinho:
– É, pai. Não há mais o que escolher.
O silêncio tomou conta da sala, mesmo assim os olhos do pai calmo e amoroso ainda procuravam os dela e, quando os encontraram, o que Ela viu foi amor:
“Minha princesa, por que você não falou comigo quando ainda tinha escolha?”
Ela já não falava, só chorava:
– Você me desculpa, pai?
Ele, que já não sabia mais por onde andava jornal, nem óculos, nem serenidade, se aproxima da menina chorona e acaricia seus cabelos com uma ternura só sua:
“Minha menina, escolheu o caminho mais difícil foi? Então me dê aqui a sua mão, eu não vou deixar que ande por ele sozinha. Vou estar com você, ao seu lado, de mãos dadas até o final. Fique tranquila, tudo vai dar certo.”
E foi assim que Ela dormiu chorando no colo do pai, acreditando que seria difícil, mas que daria conta e sairia sim mais forte, muito mais forte.