Enquanto o Japão envergonhou seu povo ao abdicar do jogo pela classificação, Senegal, Marrocos, Peru e Panamá demonstraram na Copa o espírito mais nobre do futebol
Por Breiller Pires El País Brasil
Apesar de garantir presença nas oitavas de final, a expressão do técnico japonês Akira Nishino não era de felicidade, tampouco de orgulho. Pela primeira vez na história, uma equipe passou de fase na Copa do Mundo pelo número de cartões, um dos critérios de desempate da competição. Quando ainda faltavam 10 minutos para o fim da partida, o Japão, indiferente ao revés para a Polônia, passou a tocar a bola em seu campo de defesa, já que, no outro jogo do grupo, a Colômbia vencia Senegal, que, por ter um cartão amarelo a mais que o time asiático, acabou eliminado. A insólita condição de segurar a derrota de 1 a 0, aproveitando-se do controverso regulamento do torneio, fez com que o público no estádio de Volvogrado dirigisse uma sonora vaia à seleção de Nishino. “Não estou feliz por isso, foi uma situação desagradável, mas decidimos manter o resultado para conseguir a classificação”, admitiu o treinador.
Ganhar, independentemente da forma, é a tônica do futebol, a obsessão que move a maioria dos torcedores pelo mundo. A cultura da vitória a qualquer preço não tem fronteiras. Mas parte dos japoneses, notórios por atitudes dignas de fair play civilizatório, como recolher o lixo das arquibancadas depois dos jogos, recriminou a classificação constrangedora na Copa. Embora dentro das regras, jogadores e comissão técnica deram um “jeitinho” para passar de fase, contradizendo valores milenares de seu povo, que não cultiva o hábito recorrer a espertezas como meio de levar vantagem. O Japão ganhou mesmo perdendo, mas não evitou a derrota moral.
Dilemas éticos à parte, esta primeira fase da Copa fica marcada pelas seleções que souberam perder com dignidade. Senegal, que empatou em número de pontos e saldo de gols com o Japão, mas ficou fora das oitavas pelo critério do cartão, deixa um exemplo de nobreza e espírito esportivo. Aliou Cissé, único técnico negro entre as 32 equipes do Mundial, evitou culpar o regulamento ou a postura japonesa pela eliminação de seu time. Reconheceu que os comandados poderiam ter aproveitado melhor as oportunidades de gol. Assim, não dependeriam de resultados para se classificar. Senegal se propôs a jogar um futebol ofensivo, corajoso e irreverente, empurrado por uma torcida que, tal qual os japoneses, fez questão de cuidar da limpeza das arquibancadas que frequentou e deu um espetáculo de simpatia com máscaras, fantasias e corpos pintados.
Nenhum país africano conseguiu avançar às oitavas, mas, assim como Senegal, a seleção marroquina também merecia melhor sorte na Copa. Jogou muito em suas três partidas, esbanjou disciplina tática e deu um calor nas favoritas Portugal e Espanha, a quem vencia até os 47 minutos do segundo tempo. Um ponto apenas foi pouco para um desempenho tão elogiável. Marrocos se despediu da Rússia de cabeça erguida, aplaudido por seus torcedores, bem como o Peru, que provavelmente contemplaria um desfecho diferente caso Cueva tivesse convertido o pênalti contra a Dinamarca. A equipe de Ricardo Gareca, que retornava a um Mundial depois de 38 anos, não mereceu nenhuma das derrotas. Honrou sua participação com uma vitória sobre a Austrália, comemorada como um título por milhares de peruanos em Sochi, que consolaram as lágrimas dos jogadores cantando em coro a belíssima “Contigo Perú”.