Aucib denúncia ao Ministério Público Federal indícios de fraudes na contratação e pagamento de médicos pela Prefeitura Municipal de Brumado
Da Redação
Denúncias de irregularidades na Secretaria Municipal de Saúde de Brumado, protocoladas no Ministério Público Federal em Vitória da Conquista, pela Auditoria Pública Cidadã (Aucib) – entidade de direito privado sem fins lucrativos que tem por objetivo a fiscalização de contas públicas relacionadas aos municípios e ao Estado da Bahia – apontam indícios de vícios e ilegalidades em contratações de dois profissionais para as Unidades e prestação de serviços de Saúde, que poderão resultar, se comprovadas, no indiciamento do ex-prefeito Aguiberto Lima Dias (PDT); do atual prefeito Eduardo Lima Vasconcelos (PSB) e do secretário municipal de Saúde, farmacêutico Cláudio Soares Feres, por improbidade administrativa. Além de outras penalidades criminais e administrativas previstas na legislação vigente, os médicos Bruno Vieira de Andrade e Carlos Alves de Jesus Júnior, se comprovadas as denúncias, terão seus contratos extintos e poderão ser condenados a ressarcir os cofres públicos dos recursos recebidos corrigidos monetariamente.
De acordo com a Aucib, a partir de denúncias anônimas, a entidade promoveu uma meticulosa análise nas folhas de pagamentos e processos de pagamento de pessoal lotado no Hospital Municipal, Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e Policlínica Manoel Fernandes Santos, além de prestadoras de serviços médicos especializados.
A análise da documentação encaminhada pela Prefeitura de Brumado ao Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia, conforme documentos juntados à denúncia protocolizada no Ministério Público Federal em Vitória da Conquista, apontaram, segundo ressaltaram os diretores da Aucib, indícios de uma série de irregularidades que teriam causado prejuízos ao erário e à Saúde Pública.
Conforme foi denunciado, a Prefeitura de Brumado teria efetivado contratos irregulares com dois médicos – Bruno Vieira de Andrade e Carlos Alves de Jesus Júnior – e suas respectivas empresas, que supostamente não teriam sido cumpridos, embora remunerados.
Os médicos Bruno Vieira de Andrade e Carlos Alves de Jesus Júnior, segundo a denúncia protocolada na Procuradoria da República em Vitória da Conquista, em 2016, teriam celebrado contratos [que a princípio permanecem vigendo] com a Prefeitura de Brumado para prestação de serviços em Unidade de Saúde do Programa Saúde da Família e, paralelamente, na Base Regional do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu/Regional) que somadas, exigiriam suas presenças físicas, respectivamente, na Policlínica Manoel Fernandes Santos por 8h/dia durante vinte e cinco dias úteis do mês e, na Base do Samu Regional, por 4h/dia durante 30 dias por mês. Embora não haja impedimento legal para cumprimento e as jornadas de trabalho sejam possíveis, desde que, evidentemente, houvesse compatibilidade de horários, chamou a atenção dos denunciantes o fato dos profissionais, também terem celebrado contratos com o ente público, através de suas empresas prestadoras de Assistência à Saúde [TB Psicologia e Serviços Médicos Ltda e Carlos Alves de Jesus Júnior Serviços Médicos ME, respectivamente] para realização de consultas médicas e plantões médicos no Hospital Municipal Professor José Maria de Magalhães Neto.
Para os denunciantes teria restado evidente que a contratação das empresas de propriedades dos médicos [Bruno Vieira de Andrade e Carlos Alves de Jesus Júnior] foi um pretexto para aumentar os valores aferidos pelos dois profissionais, promovendo “enriquecimento ilícito em detrimento dos serviços oferecidos aos usuários do SUS [Sistema Único de Saúde]”. Reforçam os denunciantes no memorial protocolado no Ministério Público Federal de Vitória da Conquista que o cumprimento da jornada de trabalho dos dois vínculos celebrados com a Administração Pública de Brumado [200 horas mensais no Programa Saúde da Família e 120 horas mensais na Base Regional do Samu] e ainda a prestação de serviços médicos em suas empresas, “é sem dúvida, humanamente impossível”, considerando a necessidade de serem observados e respeitados os intervalos entre os plantões, os deslocamentos e o descanso semanal.
De acordo com documentos obtidos e anexados às prestações de contas encaminhadas pela Prefeitura Municipal ao Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia, teria ficado comprovado que os dois profissionais receberam por ter sido executores dos serviços contratados (plantões e consultas), o que afastaria a possibilidade de terem, ainda que contrariando o Contrato celebrado, terceirizado a prestação dos serviços (consultas médicas).
Contra os médicos Bruno Vieira de Andrade e Carlos Alves de Jesus Júnior, por meio de suas empresas, pesam ainda a denúncia de que teriam [continuariam] supostamente prestado serviços para os quais não estão habilitados. A empresa do médico Bruno Vieira de Andrade – TB Psicologia e Serviços Médicos Ltda – foi contratada para prestar serviços de cardiologia na Policlínica Manoel Fernandes dos Santos e no Hospital Municipal Professor Magalhães Neto, embora o profissional não tenha especialização na área. Não constam nos registros do Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb) que o profissional tenha qualquer especialidade na área médica. O fato de não ter especialização, no entanto, não impede que o profissional possa trabalhar na área, “desde que se responsabilize pelos seus atos e não a propague ou anuncie”. No caso do médico Bruno Vieira de Andrade, segundo os denunciantes, também teria havido desrespeito ao procedimento legal instaurado pela Prefeitura Municipal, através da Secretaria Municipal de Saúde, que resultou na sua contratação, ao ignorar a exigência da especialidade médica para a contratação. “Além disso”, alegam os Diretores da Aucib, “a população está sendo ludibriada ao buscar atendimento especializado com um profissional sem a qualificação para realizar o procedimento”.
Já na contratação da empresa do médico Carlos Alves de Jesus Júnior a negligência do poder público teria sido ainda mais grave, uma vez que o empreendimento sequer tem registro no Conselho Regional de Medicina da Bahia, o que contraria o dispositivo legal inserido no Artigo 1º da Lei Federal nº 6.839/80 e a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.980/11. Segundo o CFM, por não possuir registro, a empresa é considerada clandestina.
Não bastassem a elevada carga horária exigida dos profissionais para execução dos serviços contratados, em janeiro de 2017, ao assumir o mandato, o prefeito Eduardo Lima Vasconcelos (PSB), por meio da Secretaria Municipal de Saúde, certamente, conforme relataram ironicamente no documento protocolado na Procuradoria da República em Vitória da Conquista, “para premiar tamanha dedicação e comprometimento com a Saúde Pública do município”, premiou os médicos Bruno Vieira de Andrade e Carlos Alves de Jesus Júnior com cargos na estrutura administrativa. Bruno Vieira foi nomeado diretor clínico do Hospital Municipal Professor José Maria de Magalhães Neto, e Carlos Alves de Jesus Júnior, diretor clínico do Samu Regional. Os dois, na prática, passaram a ocupar irregularmente os cargos e a ser chefes e subordinados, ao mesmo tempo, no Hospital Municipal e no Samu Regional, respectivamente.
A denúncia está sendo analisada pelo procurador da República Roberto D’Oliveira Vieira, que segundo informações preliminares, não confirmadas, já teria determinado a instauração de procedimento para investigar a veracidade dos fatos apontados pela Aucib.
Médicos foram remunerados por plantões de 36 horas/dia, denuncia Aucib
As investigações realizadas pela Aucib e denunciadas ao Ministério Público Federal em Vitória da Conquista apontaram, entre as muitas e graves irregularidades que teriam sido praticadas na contratação dos médicos Bruno Vieira de Andrade e Carlos Alves de Jesus Júnior, além dos processos de recrutamento, a suspeita de que possa ter havido pagamento por serviços que podem não ter sido prestados. Algumas situações identificadas, foram consideradas absurdas e permitiram, segundo relataram os denunciantes, confirmar a existência de irregularidades que teriam causado prejuízos ao erário e aos usuários do Sistema Único de Saúde, afrontando os princípios constitucionais da probidade, moralidade, transparência e eficiência da Administração Pública, “requerendo uma punição exemplar dos envolvidos – gestores e profissionais de Saúde – se confirmadas pelas investigações do Ministério Público Federal”, reforça a Aucib.
Possivelmente, como avaliaram os denunciantes, valendo-se de sua condição de diretor clínico do Hospital Municipal Professor José Maria de Magalhães Neto, o médico Carlos Alves de Jesus Júnior, a serviço de sua empresa [Carlos Alves de Jesus Júnior Serviços Médicos ME], no mês de janeiro de 2017, teria cumprido treze plantões no nosocômio. O que chamou a atenção foi o fato de que, nos dias 11 e 17 de janeiro de 2017, mesmo estando de plantão no Hospital, o médico Carlos Alves de Jesus Júnior recebeu diárias do Samu Regional por deslocamentos com pacientes de Ituaçu para o Hospital Cristo Redentor de Itapetinga e de Brumado para o Hospital Geral de Vitória da Conquista, respectivamente. A mesma situação se repetiu em fevereiro de 2017, quando em um dos três plantões no Hospital de Brumado, dia 07, recebeu diária do Samu Regional para deslocamento com paciente para o Hospital Regional de Guanambi.
Em março de 2017, o médico Carlos Alves de Jesus Júnior cumpriu, segundo documentos listados pela Aucib, seis plantões no Hospital Municipal [dias 6, 7, 11, 14, 21 e 28] e outros oito no Samu Regional [dias 6, 13, 19, 20, 26, 27, 29 e 30], sendo que no dia 06, coincidiram plantões nas duas Unidades – 12 horas no Hospital Municipal e 24 horas na Base Regional do Samu. Nos dias 14, 21 e 30, quando, segundo documentos e processos de pagamentos, cumpria plantão no Hospital Municipal, o profissional Carlos Alves de Jesus Júnior, também recebeu diárias do Samu para viagens transportando pacientes para Vitória da Conquista.
Novamente em abril, Carlos Alves de Jesus Júnior aparece nas folhas de controle e processos de pagamento como responsável pelos oito plantões no Hospital Municipal [dias 3, 4, 10, 11, 17, 18, 24 e 25] e dez na Base Regional do Samu [dias 3, 6, 9, 10, 13, 17, 20, 22, 24 e 27]. Quatro desses plantões foram cumpridos paralelamente pelo profissional no Hospital Municipal (24 horas) e na Base Regional do Samu (12 horas). Em maio foram onze plantões de 24 horas no Hospital Municipal [dias 1, 2, 8, 9, 10, 15, 16, 22, 23, 29 e 30] e cinco na Base Regional do Samu [1, 8, 15, 22 e 29], também foram registradas coincidências de plantões de 12 horas no Samu e 24 horas no Hospital Municipal, nos dias 1º, 8, 15, 22 e 29.
Em Junho, houve coincidência em quatro dos 18 de plantões no Hospital (7 plantões) e Samu (11 plantões), mais precisamente nos dias 5, 12, 20 e 27. Em julho, o médico Carlos Alves cumpriu 21 plantões, 4 no Hospital e outros 17 no Samu, tendo sido registrada a coincidência dos plantões no dia 25.
Já nos processos de pagamento do médico Bruno Vieira de Andrade foram destacados pela Aucib alguns dados que chamaram a atenção. De acordo com os denunciantes, informações prestadas por profissionais da área indicam que o tempo mínimo de uma consulta cardiológica varia em média trinta minutos. Ocorre que o médico Bruno Vieira de Andrade, embora não tenha especialização em Cardiologia, teria realizado, em apenas um dia nos meses de janeiro, fevereiro, março (dias 27, 17 e 10, respectivamente), vinte e quatro consultas especializadas em Cardiologia na Policlínica Manoel Fernandes dos Santos.
Na mesma Unidade, no mês de abril, em dois dias (7 e 28), foram 51 consultas. Em maio, embora estando cumprindo plantão de 24 horas no Hospital Municipal Professor José de Magalhães Neto, o médico Bruno Vieira de Andrade atendeu na Policlínica Manoel Fernandes dos Santos, nos dias 5, 12 e 19. A mesma situação se repetiu em cinco dos dezessete plantões do profissional em junho (dias 2, 9, 16, 23 e 30), em 3 dos 17 plantões de julho (7, 14 e 21) e em três dos 21 plantões de setembro (dias 15, 22 e 29).
O número de consultas cardiológicas realizadas também chama a atenção e sugere a existência de irregularidades. Considerando o tempo médio de uma consulta cardiológica, conforme informações obtidas pelo JS em diversos consultório e clínicas da região, é pouco provável que a quantidade de consultas cardiológicas que teriam sido realizadas e foram pagas, conforme documentos anexados à denúncia protocolada na Procuradoria da República em Vitória da Conquista, tenham sido efetivamente feitas.
Médico também era contratado por Guajeru e Malhada de Pedras
A denúncia protocolizada na Procuradoria da República em Vitória da Conquista pela Auditoria Pública Cidadã Baiana aponta ainda outras irregularidades que teriam sido cometidas pelo médico Carlos Alves de Jesus Júnior, que além dos contratos celebrados para prestar serviços com carga horária mensal de 420 horas, prestar atendimento médico em sua clínica particular e exercer cargo de confiança na estrutura da Saúde Pública de Brumado, entre os meses de março, abril e maio de 2017 também atendeu a pacientes do Sistema Único de Saúde no Centro de Saúde Monsenhor Valdemar, em Guajeru, e no Centro de Saúde e na Unidade Básica de Saúde Ladislau Klener, em Malhada de Pedras, conforme documentos obtidos junto ao Tribunal de Contas dos Municípios da Bahia.
De acordo com os denunciantes, “se é que é possível”, o médico, mesmo cumprindo plantões em Brumado, alguns de 36 horas diárias [24 horas no Hospital Municipal Professor Magalhães Neto e 12 horas na Base Regional do Samu], ainda tenha tido como se deslocar até os municípios vizinhos de Guajeru e Malhada de Pedras, distantes pouco mais de 63 e 39 quilômetros, respectivamente, para também prestar serviços médicos em plantões de 12 e 24 horas.
Em Guajeru, o profissional Carlos Alves de Jesus Júnior celebrou contrato com a Prefeitura Municipal, através da Secretaria Municipal de Saúde, por meio do Fundo Municipal de Saúde, em fevereiro de 2017, para prestação de atendimento de serviços como médico clínico – trinta e sete plantões de 12 e 24 horas, entre os meses de fevereiro e dezembro de 2017 – no Centro de Saúde Monsenhor Valdemar, na sede municipal. O profissional, segundo secretária de Saúde do município, Érica Leal Cangussu, efetivamente prestou os serviços para os quais foi contratado.
Em Malhada de Pedras, o profissional teria, segundo informou ao JS, por telefone, a coordenadora de Atenção Básica da Secretaria Municipal de Saúde, enfermeira Renata Luzia de Carvalho Silva Oliveira, efetivamente prestado os serviços. De acordo com informações obtidas pelo JS, o médico continuaria mantendo o vínculo com a Secretaria Municipal de Saúde do município, atendendo na Unidade Básica de Saúde Ladislau Klener.
Outro lado:
Contatada, a Secretaria Municipal de Saúde, através da enfermeira Elke Barreto Ribeiro Santana [o secretário municipal de Saúde, Cláudio Soares Feres estava ausente do município, participando de evento oficial], disse que a Administração Municipal não teria sido notificada pelo Ministério Público Federal acerca das “supostas denúncias que teriam sido protocoladas pela Aucib” e que, portanto, não poderia se manifestar.
A reportagem do JS tentou, insistentemente, através dos telefones do Hospital Municipal Professor José Maria de Magalhães Neto [77 3441-6780 e 3441-2469] e da Base Regional do Serviço de Atendimento Médico de Urgência – Samu Regional [77 3441-1529], além dos telefones móvel celular pessoais [77 99051-**95 e 77 99959-**04, respectivamente], ouvir os médicos citados na denúncia, Bruno Vieira de Andrade e Carlos Alves de Jesus Júnior, para que pudessem contraditar as acusações e apontar medidas que pretendem adotar, caso o processo prospere, em suas defesas, sem sucesso.
O médico Carlos Alves de Jesus Júnior, inclusive, foi cientificado do teor da denúncia e se prontificou a se defender, informando o número do seu telefone móvel celular para que fosse contatado, não atendeu e não retornou, no entanto, as ligações feitas.