Pesquisas reuniram cientistas da Unicamp e das universidades de Cambridge e de Bristol; artigo foi publicado na Current Biology
Por Luiz Sugimoto – Jornal da Unicamp
Pesquisas desenvolvidas no Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp, em parceria com grupos das universidades de Cambridge e de Bristol, na Inglaterra, trouxeram uma nova dimensão ao estudo do relógio biológico (circadiano) das plantas. Antes, apenas a luz e a temperatura eram tidas como fontes de ajuste do relógio, mas essas pesquisas demonstraram a participação dos açúcares neste processo. Um artigo sobre a descoberta está sendo publicado neste dia 3 de agosto na prestigiada revista científica Current Biology.
O artigo mostra que a molécula codificada pelo gene bZIP63, que é um fator de transcrição, ou seja, um gene que regula outros genes, percebe o nível de açúcar disponível na célula da planta e usa esta informação para o ajuste do relógio circadiano. Em plantas, a energia é obtida a partir da fotossíntese, na forma de açúcares que são usados nos processos metabólicos necessários para o crescimento e desenvolvimento. O relógio é fundamental para o gerenciamento dos recursos energéticos disponíveis. As plantas que possuem o ritmo do relógio mais ajustado ao ambiente externo possuem um desempenho superior – ou maior produtividade no caso dos cultivos agronômicos.
O pesquisador Américo José Carvalho Viana explica que este trabalho é parte de seu doutorado e tem sequência agora no pós-doutorado no CBMEG, orientado pelo professor Michel Vincentz, e em colaboração com os grupos de Alex Webb (Cambridge) e Antony Dodd (Bristol). “Todos os organismos (humanos, animais, vegetais, fungos e bactérias) possuem um relógio biológico, que academicamente denominamos circadiano, do latim circadiem: circa (cerca) e diem(dia), cerca de um dia. Sua função primordial é permitir uma antecipação às mudanças cíclicas que acontecem em função da rotação da Terra, em torno de 24 horas (dia e noite).”
Segundo Viana, no ser humano é bastante conhecido o efeito jat lag: quando se viaja para a Austrália, por exemplo, nosso relógio biológico permanece ajustado para o Brasil por alguns dias. “O corpo fica ativo para o dia, sendo que é noite, o que pode resultar em cansaço, dor de cabeça, dores musculares, mau humor, etc. São necessários três ou quatro dias para o relógio ser ajustado pelos sinais do novo ambiente como a luz. O humano, particularmente, possui um relógio central no cérebro, que capta o sinal de luz, e outros periféricos, que chamamos de ‘relógios escravos’, como no coração, intestino e pâncreas.”
Américo Viana esclarece que parte deste trabalho está relacionada com o relógio e outra parte com a forma como as plantas percebem e gerenciam seu status de energia. “Como a planta é um organismo fixo, seu relógio circadiano permite que ela se antecipe a mudanças no ambiente: luz e escuro, calor e frio. Ao amanhecer a planta já deve estar com a maquinaria de fotossíntese preparada, com as folhas totalmente abertas (há as que se fecham à noite) para captar os fótons da luz do sol e sintetizar os carboidratos, que serão usados como fonte de energia e também integrarão a biomassa de diversas substâncias orgânicas como aminoácidos, gorduras e celulose– um indicador de produtividade no caso de cultivo agronômico. E o excedente destes carboidratos é armazenado sob a forma de amido, o carboidrato de reserva das plantas, que servirá como fonte de energia durante a noite. Outro sinal do ambiente enviado pelo relógio é a alternância entre calor do dia e frio da noite, que interferem nas reações fisiológicas da planta.”
Mais recentemente, informa Viana, o grupo de Alex Webb publicou um trabalho (2013) demonstrando que existe um terceiro sinal de ajuste do relógio, que são os açúcares (carboidratos). “Ativada a fotossíntese, a planta sintetiza carboidrato e esse sinal do açúcar também vai ajustar o relógio circadiano. O grupo de Webb demonstrou, também, que este sinal de carboidrato é independente da luz: eles colocaram a planta em ambiente escuro por 24 horas, impedindo o ajuste do relógio pela luz; mas adicionando artificialmente o açúcar, o ajuste ocorreu. Ficou claro que o açúcar, por si só, é um imput, é como resetar o relógio para que recomece um novo ciclo de 24 horas.”
Planta modelo
Para o trabalho publicado na Current Biology utilizou-se a planta Arabidopsis thaliana, um organismo modelo para estudos em genética e fisiologia, assim como é o camundongo para pesquisas em mamíferos e humanos, conforme o pesquisador do CBMEG. “Foi a primeira planta a ter o genoma completamente sequenciado. Ela possui as características desejáveis de todo modelo: pequeno porte, ciclo de vida curto (três meses, entre a germinação e senescência), produz grande quantidade de sementes e pode-se cultivá-la na mesma placa de petri [recipiente cilíndrico de vidro ou plástico] que serve para microrganismos, como bactérias e fungos.”
O professor Michel Vincentz, orientador de Américo Viana, explica que esta planta tem metade dos seus genes regulados pelo relógio circadiano, que é ajustado cotidianamente, conforme as variações do fotoperíodo (tempo de exposição à luz). Segundo ele, conhecendo o relógio da Arabidopsis thaliana, conseguimos entender, por exemplo, como se deram a domesticação e melhoramento do tomate, originário da região andina (Equador, Peru, norte do Chile) e que hoje é cultivado numa faixa de latitude que vai da Argentina ao norte dos EUA. “No caso do tomate, o homem selecionou para o relógio a duração do dia, que tem algumas horas a mais que as 24 horas do tomate selvagem. Este é um ponto essencial para aumentar a produtividade da planta em vários climas e fotoperíodos.”
Vincentz, que é docente do Departamento de Biologia Vegetal da Unicamp, ressalta que o trabalho ora publicado demonstra que o relógio circadiano das plantas é regulado também pelo metabolismo energético, ajustando a fisiologia do organismo conforme o sinal de pouca ou muita energia. “Nessa parceria, os ingleses cuidaram mais da parte de cronobiologia, pois possuem todas as ferramentas para estudar o relógio circadiano, demonstrando que em plantas ele é ajustado pela fonte de energia (basicamente açúcares). De nossa parte, mostramos como esse ajuste funciona em termos moleculares, ou seja, quais moléculas percebem as mudanças no ambiente para ajustar o relógio.”
Descoberta excitante
De acordo com Américo Viana, já era conhecido na literatura que o gene bZIP63 percebe a sinalização de açúcar na célula: status baixo significa déficit de energia; se alto, a célula está bem nutrida de energia. “Aqui no CBMEG utilizamos uma planta de Arabidopsis thaliana em que faltava esse gene, ou seja, mutante para o bZIP63, e estudamos quais genes estariam desregulados em comparação com uma planta selvagem (com todos os genes). E vimos que outro gene do relógio, PRR7, estava desregulado – e se o PRR7 estava desregulado numa planta mutante para o bZIP63, deduzimos que este fator de transcrição, que percebe o status de energia na célula, teria uma relação com o relógio biológico, regulando-o. Foi uma descoberta bastante excitante, diante da importância dessa estrutura para os organismos de modo geral.”
Michel Vincentz destaca o papel da quinase SnRK1, uma enzima que fosforila o fator de transcrição bZIP63 que, por sua vez, vai regular o PRR7. “É esta via que faz com que o relógio circadiano responda ao açúcar. Um elemento chave é uma molécula chamada trealose-6-fosfato, que tem papel regulador e é o próprio sinal. E o relógio, por sua vez, vai regular uma série de outros elementos em função desse sinal de açúcar, ajustando toda a fisiologia da célula conforme o nível de energia disponível . Hoje em dia, com o entendimento cada vez maior do relógio circadiano, podemos orientar os processos de melhoramento olhando para peças específicas, a fim de que a planta possa responder, digamos, a mudanças repentinas de ambiente.”
Para Américo Viana, esta rota metabólica (quinase SnRK1, fator de transcrição bZIP63 e o gene do relógio PRR7) é a novidade do trabalho publicado. “Antes se sabia apenas que a luz do sol, diretamente, era um sinal de ajuste do relógio. Mas agora sabemos que os carboidratos obtidos na fotossíntese também são um sinal de ajuste, independente da luz . Essa via representa apenas o início de uma série de estudos, pois o bZIP63 não é o único elemento envolvido no controle do relógio circadiano. Já sabemos que existem outros fatores de regulação, que inclusive interagem com o bZIP63, mas ainda não podemos divulgar.”