A acusada é multiplicadamente marginalizada: por ser mulher, numa sociedade machista; por ser pobre, cujo latifúndio são os sete palmos de terra dos versos imortais do poeta; por ser prostituta, desconsiderada pelos homens, mas amada por um Nazareno que certa vez passou por este mundo; por não ter saúde; por estar grávida, santificada pelo feto que tem dentro de si, mulher diante da qual este Juiz deveria se ajoelhar, numa homenagem à maternidade, porém que, na nossa estrutura social, em vez de estar recebendo cuidados pré-natais, espera pelo filho na cadeia.
É uma dupla liberdade a que concedo neste despacho: liberdade para Edna e liberdade para o filho de Edna que, se do ventre da mãe puder ouvir o som da palavra humana, sinta o calor e o amor da palavra que lhe dirijo, para que venha a este mundo tão injusto com forças para lutar, sofrer e sobreviver.
Quando tanta gente foge da maternidade; quando milhares de brasileiras, mesmo jovens e sem discernimento, são esterilizadas; quando se deve afirmar ao Mundo que os seres têm direito à vida, que é preciso distribuir melhor os bens da Terra e não reduzir os comensais; quando, por motivo de conforto ou até mesmo por motivos fúteis, mulheres se privam de gerar, Edna engrandece hoje este Fórum, com o feto que traz dentro de si.
Este Juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria todos os seus princípios, trairia a memória de sua Mãe, se permitisse sair Edna deste Fórum sob prisão.
Saia livre, saia abençoada por Deus, saia com seu filho, traga seu filho à luz, que cada choro de uma criança que nasce é a esperança de um mundo novo, mais fraterno, mais puro, algum dia cristão.
Expeça-se incontinenti o alvará de soltura.
A decisão acima transcrita foi proferida na Primeira Vara Criminal de Vila Velha (ES). Número do processo: 3.724, folha 32, verso.
Hoje, o autor da sentença está aposentado na magistratura. Continua em atividade como palestrante, escreve artigos e publica livros. Sua mais recente obra – ABC dos Direitos Humanos, editada pela Prefeitura Municipal de Vitória, é distribuída gratuitamente.
É livre a divulgação deste texto, por qualquer meio ou veículo, inclusive através da transmissão de pessoa para pessoa. O autor pensa que a divulgação seria extremamente oportuna no Dia das Mães. No caso de jornais, ao lado da edição da sentença, pode caber discutir o decisório, com opiniões contrárias e favoráveis ao entendimento do juiz.