redacao@jornaldosudoeste.com

Unidades habitacionais do Programa Minha Casa Minha Vida estão abandonadas em Boquira

Publicado em

Por Gisele Costa*

 

As casas já construídas não foram entregues e estão em meio ao matagal, sendo vandalizadas e servindo para cumular lixo e água, colocando em risco a Saúde da população que vive em seu entorno. Foto: Cássio Bastos.

O projeto é do ano eleitoral de 2012. Previa 50 casas para famílias em situação de vulnerabilidade social, com renda de até R$ 1.600 mensais. O projeto, viabilizado através do Programa Minha Casa Minha Vida – Oferta Pública 2012/Sub 50, do então Ministério das Cidades [hoje Ministério do Desenvolvimento Regional], no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC2), destinado a municípios com população inferior a 50 mil habitantes, financiado através da Companhia Hipotecária Brasileira [uma das instituições financeiras vencedoras dos leilões de programas sociais administrados pelo Tesouro Nacional em conjunto com o Ministério das Cidades, em 2011], previa a entrega das 50 unidades habitacionais no prazo de 12 meses, contados a partir da data do pagamento da primeira parcela de subvenção econômica da primeira unidade habitacional da proposta selecionada, com possibilidade de prorrogação de 180 dias, por uma única vez.

O Convênio foi orçado em R$ 1.250,000,00, conforme Termo de Acordo e Compromisso (TAC) firmado entre a Prefeitura Municipal de Boquira e a Companhia Hipotecária Brasileira (CHB), em 2012. Em 21 de julho de 2017, considerando o fim do prazo estabelecido para a entrega das casas aos beneficiários das ofertas públicas nos exercícios de 2009 e 2012 e a identificação de uma quantidade expressiva de obras inconclusas, a Secretaria Nacional de Habitação do então Ministério das Cidades publicou a Portaria nº 494/2017, que dispôs sobre a concessão de um novo prazo máximo de doze meses, encerrado no dia 12 de julho de 2018, para a conclusão e entrega das unidades habitacionais contratadas no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida/Sub 50. A adesão do empreendimento em Boquira à nova vigência do Programa foi confirmada com a emissão, pela Secretaria Nacional de Habitação, da Declaração de Viabilidade da Obra (DVO), em 22 de agosto de 2017, conforme solicitação da Companhia Hipotecária Brasileira.

Em 24 de abril de 2017, cento e quatorze dias após tomar posse na Prefeitura Municipal, o prefeito Luciano – da Farmácia – de Oliveira e Silva (PSB), assinou o Decreto nº 085/2017, através do qual revogou a convocação dos beneficiários das unidades habitacionais que deveriam já estar concluídas e habitadas, se tivesse sido cumprido os prazos estabelecidos no convênio celebrado entre a Prefeitura de Boquira e o Governo Federal, entre 2013 e 2014. Na justificativa, o prefeito apontou terem sido identificados que o Edital que convocou os beneficiários, publicado no Diário Oficial do Município de Boquira do dia 29 de dezembro de 2016, estaria contaminado por erros considerados graves e que contrariavam o Termo de Acordo e Compromisso firmado, além de incluir pessoas que não teriam sido selecionadas pelos prepostos do Governo Federal [Sistema Nacional de Habitação do Ministério das Cidades].

Das 50 unidades habitacionais previstas, poucas foram abandonadas com as obras quase concluídas. Foto: Cássio Bastos.

Apesar de reconhecer a existência do projeto de construção das unidades habitacionais, além do Decreto que anulou a convocação dos beneficiários que teriam preenchido os formulários e sido aprovados na gestão do seu antecessor, engenheiro Marco Túlio Vilasbôas (MDB), o socialista Luciano de Oliveira e Silva não adotou qualquer providência visando a retomada e conclusão das obras, embora o déficit habitacional do município seja preocupante e mutuários, conforme revelaram ao JS, tenham mantido contatos e reivindicado providências para continuidade e finalização dos serviços. “Nós pedimos para o atual prefeito [Luciano – da Farmácia – de Oliveira e Silva (PSB)] interceder e até sugerimos que nós assumiríamos o restante da obra, pois faltava pouco, o prefeito disse que o Setor Jurídico iria tomar pé da situação e nos retornaria, fizemos um novo cadastro, mas até o momento não tivemos nenhuma solução”, declarou um deles. A lista com os nomes dos beneficiários foi divulgada no Diário Oficial do Município de Boquira do dia 29 de dezembro de 2016.

Hoje, o cenário mistura abandono, depredação e desgoverno. Oito anos e quatro eleições depois, mato e prejuízos emolduram o que deveria ser um condomínio habitado do Programa Minha Casa Minha Vida, embora a maior parte das cinquenta unidades habitacionais já estejam concluídas, conforme relatou ao JS a Assessoria de Comunicação Social do Ministério do Desenvolvimento Regional. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional, por ocasião da emissão da Declaração de Viabilidade da Obra (DVO), o empreendimento na sede do município de Boquira estava com 75% de execução física e, desde então, não foi registrada nova evolução das obras no banco de dados da SNH, já que não foi encaminhado pelo ente (Companhia Hipotecária Brasileira) o ateste de obras dentro do período da nova vigência.

Interpelada pelo JS a esclarecer porque as obras ainda não foram concluídas, a Companhia Hipotecária Brasileira, por meio da sua gerente de Operações Sociais, Sayonara Ferreira Coutinho, citou quatro fatores: a solicitação de substituições de alguns beneficiários pela Prefeitura de Boquira; o que demandou tempo devido a questões burocráticas junto aos Entes envolvidos no Programa Minha Casa Minha Vida – Sub 50; problemas com a Construtora contratada para execução das obras; problemas com repasses do Governo Federal e o fato da Portaria nº 494/2017 ter expirado.

A Prefeitura Municipal de Boquira foi contatada pelo JS para dar sua posição quanto à paralisação das obras e relatar o que estaria sendo feito para solucionar a questão. Procurada primeiro, a titular da Secretaria Municipal de Assistência Social de Boquira, Inajara Souza Curcino, disse que não estava orientada a falar sobre o caso e indicou que os questionamentos fossem direcionados ao secretário municipal da Administração, Evandro Rêgo Novaes Filho. Ao ser interpelado, o titular da Secretaria Municipal da Administração também não se dispôs a prestar os esclarecimentos e passou a responsabilidade à titular da Procuradoria Jurídica do Município, advogada Poliana Riquele Rodrigues Silva Lemos, que se limitou a dizer que não tinha qualquer informação a oferecer sobre a referida questão.

O JS também entrou em contato com a ex-titular da Secretaria Municipal de Assistência Social, que atuou no período de aderência do município de Boquira ao Programa Minha Casa Minha Vida – Sub 50, Regina Célia Cursino Santos Soares. De acordo com ela, todas as exigências solicitadas pelo então Ministério das Cidades referentes à contemplação dos beneficiários foram aprovadas. “Não sei porque a obra não foi entregue, faltava pouco para o término”, completou.

A reportagem do JS tentou, sem sucesso, contato com o ex-prefeito Marco Túlio Vilasbôas (MDB), através do telefone móvel celular 77 99952-**18, para que ele pudesse esclarecer os motivos pelos quais a obra não foi realizada dentro do cronograma estabelecido e comentar a decisão do seu sucessor na Prefeitura Municipal, que revogou a convocação dos beneficiários das unidades habitacionais alegando terem sido identificados vícios insanáveis no cadastramento dos beneficiários pela gestão do emedebista. O ex-gestor não atendeu e não retornou as ligações.

O JS também tentou falar com os responsáveis pela Grupo NCP, construtora soteropolitana contratada para execução do empreendimento em Boquira, para que pudessem esclarecer os problemas citados pela Companhia Hipotecária Brasileira, os quais teriam interferido no andamento das obras, mas sem sucesso. Nenhuma das ligações feitas para os telefones (71) 3023-2788, (71) 3023-2782, (71) 98376-0282, (71) 3486-5875 e (71) 99350-0206 foram completadas.

Já o Ministério do Desenvolvimento Regional, ao ser questionado sobre os problemas com repasses do Governo Federal mencionados pela Companhia Hipotecária Brasileira, ressaltou, por meio de sua Assessoria de Comunicação Social, que as liberações de recursos de subvenção encaminhadas por agentes financeiros e instituições financeiras executoras do Programa Minha Casa Minha Vida foram realizadas normalmente no período da nova vigência do Programa, encerrado no dia 12 de julho de 2018.

Sobre as medidas que estariam sendo tomadas para retomar as obras e finalizar a construção das unidades habitacionais no município de Boquira a fim de entregá-las aos beneficiários, a gerente de Operações Sociais da Companhia Hipotecária Brasileira, Sayonara Ferreira Coutinho, disse que a instituição financeira está aguardando a realização de uma audiência com o ministro de Estado do Desenvolvimento Regional, Gustavo Henrique Rigodanzo Canuto, pré-agendada para o próximo dia 16 de abril, a fim de tratar do assunto e providenciar o lançamento de nova Portaria que viabilize a retomada das obras e estipule um novo prazo de conclusão. “Devido à mudança de Governo, mudança de Ministério, estamos no aguardo da conclusão dessa reformulação para que possamos voltar as tratativas com o Governo, nova Portaria, consequentemente, Construtores, Municípios”, concluiu.

Enquanto os entes responsáveis pelos mais de R$ 1.250.000,00 que, segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional, já teriam sido disponibilizados pelo Governo Federal, não se constrangem em jogar a responsabilidade uns para os outros, cinquenta famílias que poderiam estar sendo beneficiadas e morando com um mínimo de dignidade engrossam as estatísticas dos sem-teto e a população de Boquira, enxerga, no canteiro de obras abandonado, além de uma ameaça à segurança pública, transtornos para a Saúde Pública. “O maior problema disso aí [obras das casas abandonadas] está ligado à Saúde da população, ao risco de doenças. Se tirar esse matagal, tem muito lixo e água acumulada. Os casos de calazar, gripe e dengue só aumentam, aqui”, reclama uma dona de casa que prefere não se identificar, moradora do Bairro Barreiro, no entorno do condomínio habitacional inconcluso.

 

*Com reportagem de Cássio Bastos

Deixe um comentário