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Crime: encarcerar não resolve

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Gosto muito das expressões populares. Exprimem idéias extremamente difícies de traduzir em linguagem acadêmica.
Para definir uma tarefa impossível há duas expressões que dão a medida da criatividade do falar comum: “enxugar gelo” e “dar nó em pingo d’água”.
Multiplicar prisões, cada vez mais modernas, cada vez capazes de abrigar maior quantidade de presos é “enxugar gelo”. Aumentar a severidade das penas, prender cada vez mais, tudo isso é “dar nó em pingo d’água”.
Diante dessas afirmações poderá o leitor indagar, perplexo: mas então o que fazer? Deixar a população à mercê dos bandidos? Soltar os presos e encarcerar os moradores em suas casas ou apartamentos?
Nada disso. O dilema colocado é um sofisma.
Construir prisões e mais prisões, agigantar a população carcerária é até pior que enxugar gelo porque não se trata apenas de um caminho ineficaz. Na verdade, colocar multidões de indivíduos na prisão contribui para aumentar a criminalidade porque a prisão gera o crime.
O encarceramento deve ficar restrito a réus de comprovada periculosidade. Milhares de pessoas que estão atrás das grades deveriam estar em liberdade. Os presos realmente perigosos constituem pequena parcela da população carcerária. O que há é muito preconceito, discriminação, estigma injusto, percepção da gravidade dos crimes segundo a ideologia da classe dominante. O ladrãozinho deve ir para a cadeia, o banqueiro desonesto merece as homenagens da lei. Se essa política de prender a torto e a direito continuar, em futuro próximo os presos perigosos poderão alcançar um percentual assombroso.
Não digo isso de oitiva. Fui juiz criminal durante muitos anos. Quando me refiro a essa vivência profissional, os que se opõem a essas teses podem retrucar que fui juiz em outra época. Sim, fui juiz em outra época, mas os problemas enfrentados não me parecem tão diferentes hoje.
Machado de Assis, num conto magistral (O alienista), narra a história de um médico, Dr. Simão Bacamarte, que funda a Casa Verde para internar doentes mentais. Começa internando pessoas realmente enfermas mas que estavam sendo muito bem cuidadas em sua própria casa. Depois vai internando, um a um, os indivíduos que ele supunha loucos. Acaba internando quase toda a cidade.
Ainda não estamos neste ponto de encarcerar culpados e inocentes aos milhões, ressalvando uns poucos indivíduos para livrá-los da Casa Verde.
Mas a verdade é que se prende demais. No Brasil chega-se ao absurdo de existir (na prática, não na lei) a chamada “prisão correcional” (prisão por tempo inferior a 24 horas), como se a prisão pudesse corrigir.
A Polícia aprisiona e a Justiça com muita facilidade chancela as prisões, com apoio da opinião pública, equivocada na sua ideia de que está protegida contra a violência se as cadeias estiverem lotadas.
O que acontece é exatamente o oposto. O batedor de carteira, que é preso hoje, não furtará nos próximos dias ou meses. Estará fora de circulação, como se diz, mas quando sair da prisão, daqui a um ano, terá aprendido que assaltar com uma arma na mão tem mais eficiência do que bater carteira.
Lembro-me de um batedor de carteira que interroguei. Desculpando-se do que fizera, ele disse que não bateu a carteira propriamente. A carteira estava caindo do bolso da vítima, que viajava de ônibus sentado no banco fronteiriço ao dele. Ele apenas, segundo suas palavras, recolheu a carteira que ia cair no chão. Eu o coloquei em liberdade, dando-lhe muitos conselhos e advertindo-o no sentido de que não “recolhesse” mais nenhuma carteira na vida. Era jovem, tinha um futuro pela frente. Sua Mãe, presente na audiência, era viúva e estava sofrendo demais com a prisão dele.
Pesquisas científicas levadas a efeito em diversos países, inclusive no Brasil, concluem pela ineficácia da pena restritiva de liberdade como instrumento de ressocialização.
Ressocializar segredando traz em si uma contradição.
Por este motivo, tem-se como assente que um elenco de alternativas deve reduzir o aprisionamento aos casos extremos.
Mas, de qualquer forma, se o Estado prende (ainda que minimamente), o Estado tem o dever de tentar alcançar o objetivo ressocializador, quer durante o tempo de prisão, quer depois da soltura do sentenciado.
O “itinerário de volta”, após o cumprimento da pena, é um duro caminho que o ex-preso só tem chance de percorrer com êxito se tiver o amparo de instituições e pessoas que o ajudem.

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