A cidade é a morada de grande parte dos seres humanos, neste novo milênio. Mas a cidade não é uma entidade abstrata, fora do conflito de classes e alheia às injustiças estruturais que massacram grande parte da humanidade.
Não existem grandes problemas na cidade para os que podem habitar uma residência condigna, locomover-se de carro ou em transporte coletivo de qualidade, ter acesso aos serviços essenciais – educação, saúde etc.
O problema das cidades é o problema dos que são excluídos da cidade.
A cidade é a síntese das negações de humanismo que, escandalosamente, dão a tônica do nosso tempo. O advérbio “escandalosamente” não está neste texto por acaso. A situação de escândalo ocorre porque a humanidade alcançou padrões de tecnologia que poderiam assegurar a todos os seres humanos, sem exceção, o direito de reclinar a cabeça num leito, ao final de cada dia, habitando uma morada digna da grandeza infinita do homem.
Quem está fora da cidade? Quem foi expulso dos espaços nobres ou de razoável conforto para as periferias longínquas? Quem convive com o lixo e vive do lixo?
São pessoas sem nome e sem face, com direitos negados, marginalizadas, embora portadoras da mesma substância espiritual que nos irmana a todos.
Milhões de crianças estão abandonadas nos guetos das grandes cidades do mundo, especialmente no Hemisfério Sul.
Essa anomalia acontece, não obstante afirme a “Declaração Universal dos Direitos da Criança” que a criança, por falta de maturidade física e mental, necessita de proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção da lei, tanto antes do nascimento, quanto depois, a fim de que possa desfrutar dos direitos inerentes ao ser humano e inerentes a ela, criança.
Qualquer estudo estatístico que se faça vai revelar presença maior de mulheres do que de homens, nas favelas. Uma simples visita a elas estampa, ao vivo, essa realidade. Isto porque, além de todas as desigualdades vigentes, pesa sobre a mulher discriminações específicas.
No entanto, a Assembléia Geral das Nações Unidas, em declaração solene aprovada no dia 7 de novembro de 1967, afirma que a discriminação contra a mulher, a limitação de seus direitos, o não reconhecimento de sua igualdade com o homem, tudo isso é fundamentalmente injusto e constitui uma ofensa à dignidade humana.
Também as discriminações raciais desenham o quadro geográfico de uma cidade. Exceções à parte, não se reserva aos brancos o pior espaço urbano
Não obstante a brutal realidade da exclusão pela raça, a Conferência Geral da UNESCO aprovou, em 27 de novembro de 1978, uma “Declaração sobre a raça e os preconceitos raciais”.
No seu primeiro artigo, essa Declaração diz que todos os seres humanos pertencem à mesma espécie e têm a mesma origem. Nascem iguais em dignidade e direitos e formam parte integrante da Humanidade.
Todos os indivíduos e grupos, – prossegue a Declaração da UNESCO, – têm direito às suas diferenças. Mas o direito à diferença e à diversidade não pode, em caso algum, servir de pretexto a preconceitos raciais, nem pode legitimar qualquer prática discriminatória.
Ainda são habitantes preferenciais dos lugares imprestáveis, no conjunto do espaço urbano, outras espécies de oprimidos e marginalizados:
a – o apátrida, o refugiado, o que vive em terra estranha, o migrante;
b – os portadores de retardamento mental;
c – os portadores de deficiências em geral.
O fenômeno da exclusão não é casual, nem resulta de uma suposta seleção que um caduco darwinismo social teima em sustentar ainda hoje.
O fenômeno da exclusão resulta do aniquilamento do Direito, da negação da Justiça,
da desumanização das condutas, do esmagamento da Ética.