Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp analisou a microbiota intestinal de 18 pacientes com doença de Crohn em remissão e seus familiares saudáveis, acima de 50 anos idade
Texto: Edimilson Montalti Fotos: Mário Moreira Edição de Imagem: Paulo Cavalheri
A microbiota intestinal tem recebido atenção especial de cientistas da Europa, dos Estados Unidos e do Brasil, principalmente da Unicamp. Desde 2012, um grupo de pesquisadores da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) desenvolve diversos estudos sobre a alteração na composição microbiana intestinal. Seus participantes acreditam que a microbiota intestinal – popularmente conhecida como flora intestinal – tem um papel mais relevante do que se pensava em diversas doenças, como obesidade, diabetes, autismo, depressão, doenças inflamatórias intestinal e câncer.
Uma das pesquisas desenvolvidas na FCM analisou, de forma inédita, a microbiota intestinal de 18 pacientes com doença de Crohn em remissão e seus familiares saudáveis, acima de 50 anos idade, que formaram o grupo controle do estudo. A pesquisa teve apoio do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Obesidade e Diabetes (INCT). Os resultados foram publicados na Scientific Reports, da Nature Research. O artigo Remission in Crohn´s disease is accompanied by alteration in the gut microbiota and mucins production é o primeiro escrito por um grupo de pesquisadores brasileiros.
Daniéla Magro, nutricionista e pesquisadora do Departamento de Cirurgia da FCM
“A relevância de nosso estudo é a metodologia utilizada. Não queríamos usar um banco de dados de pessoas saudáveis já existentes, como fazem alguns grupos estrangeiros de pesquisa. Por isso, optamos em usar indivíduos saudáveis que residiam na mesma casa do paciente com doença de Crohn para saber se eles tinham microbiota similar. Isso foi necessário porque a microbiota é influenciada por fatores ambientais (poluição, hábitos alimentares, espaço urbano ou rural, presença de animais de estimação) e outros fatores que poderiam interferir na análise”, comenta Daniéla Magro, nutricionista e pesquisadora do Departamento de Cirurgia da FCM da Unicamp.
A microbiota intestinal é composta principalmente por bactérias, além de fungos, arqueobactérias e vírus. Essas bactérias desempenham um papel importante para manutenção da saúde humana. A alteração na composição microbiana do intestino é chamada de disbiose, que pode levar a um aumento de bactérias pró-inflamatórias causando danos à barreira da mucosa intestinal, que é considerada a primeira linha de defesa. Esses danos podem causar diarreia, perda de peso e inflamação intestinal na doença de Crohn.
“A parede de nosso intestino é como se fosse uma rede bem fechada, para não passar micróbios. Os pacientes com doença de Crohn têm um intestino com mais permeabilidade devido à diminuição da camada de muco, entre outros fatores”, explica Daniéla.
Os dados clínicos, classificação da doença, medicações e comorbidades dos participantes do estudo foram coletados durante a colonoscopia, realizada no Gastrocentro da Unicamp pelo médico Cláudio Saddy Rodrigues Coy, coordenador da pesquisa. As amostras fecais dos 18 pacientes com doença de Crohn e dos 18 participantes do grupo controle foram coletadas pelos indivíduos em casa, usando tubos importados da Alemanha, com um tampão preservativo.
A análise da microbiota intestinal foi realizada no Laboratório de Investigação Clínica de Resistência à Insulina (Licri) da FCM. O Licri é considerado, hoje, referência nacional no estudo de microbiota intestinal. A pesquisa também contou com a colaboração do Laboratório de Genética Molecular da FCM, onde foram realizadas o sequenciamento do DNA, além de uma parceria internacional do grupo de pesquisadores do departamento de biotecnologia na universidade de Verona, na Itália.
De acordo com a pesquisa, a análise da microbiota intestinal não mostrou mudança significativa na proporção dos filos Firmicutes e Bacteroidetes entre o grupo com doença de Crohn, quando comparada com a microbiota do grupo controle. Os pesquisadores da Unicamp observaram que, na doença de Crohn, houve redução dos gêneros Akkermansia e Oscillospira e aumento de bactérias do filo Proteobactérias, geralmente associadas com inflamação. Outro dado apontado pelo estudo nos pacientes com doença de Crohn foi a redução do fungo Saccharomyces cerevisiae. Os pesquisadores acreditam que esse fungo pode ter um papel protetor para a mucosa intestinal.
Intervenção clínica
De acordo com Cláudio Saddy Rodrigues Coy, os resultados não tem aplicabilidade prática ainda, pois não possibilitam intervenções terapêuticas. “O estudo, porém, abre grandes perspectivas para compreensão dos mecanismos envolvidos no desencadeamento e na cronicidade da doença de Crohn”, diz Coy.
Os pesquisadores da Unicamp confirmaram a hipótese de que a microbiota de pacientes com doença de Crohn é muito heterogênea. Nos 18 pacientes estudados, cada um tinha um tipo de bactéria predominante. Em comum, os pacientes apresentaram redução do fungo S. cerevisiae.
“A prescrição de probióticos – Bifidobactérias e Lactobacilos – no tratamento da doença de Crohn, na maioria dos casos é inadequada, sem saber qual é a bactéria que está faltando ou qual está em excesso na microbiota desses pacientes. O melhor seria a utilização de prebióticos”, recomenda Daniéla.
Os prebióticos são encontrados em alimentos de origem vegetal – batata, arroz, amido resistente, aveia, frutas, legumes. Eles são metabolizados pelas bactérias em nosso cólon, estimulando a proliferação ou atividade de bactérias benéficas. Um exemplo é a produção de ácidos graxos de cadeia curta como o butirato, o acetato e o propionato, que estimulam o crescimento de bactérias anti-inflamatórias.
“Estamos acompanhando alguns estudos de grupos do exterior que estão usando cápsulas de butirato no tratamento de pacientes com doença de Crohn. Essa pode ser uma nova frente de pesquisa, em breve, aqui na FCM”, revela Daniéla.
Leia o artigo na íntegra publicado na Scientific Reports, da Nature Research.