Por Ascom/CMVC
O Papel do Cidadão na Defesa da Democracia e Liberdade de Imprensa foi o tema da Sessão Especial remota realizada na manhã desta quarta-feira, 17, pela Câmara Municipal de Vitória da Conquista. A discussão foi proposta pelo mandato do vereador Professor Coriolano Moraes (PT) e contou com a participação de representantes de diversos segmentos da sociedade civil.
O presidente da Casa, vereador Luciano Gomes (PCdoB), iniciou a sessão ressaltando a importância do tema e agradecendo a cada convidado por participar “desse momento tão importante, que traz para a Casa do Povo a discussão sobre o direito à liberdade de expressão”.
Sem liberdade de expressão, não há democracia – Abrindo os trabalhos, o vereador Prof. Cori (PT) ressaltou que o Brasil vive tempos difíceis de polarização, confusão e disseminação de fake news, e afirmou que o enfrentamento à pandemia tem mostrado ainda mais a importância do fortalecimento da democracia, das instituições democráticas e da liberdade de imprensa. Cori considerou importante que no momento atual do país é preciso reafirmar que a democracia é o único regime político capaz de garantir os direitos constitucionais e que a presença dela é diretamente ligada à liberdade de expressão e de imprensa.
O trabalho deve ser pautado na responsabilidade – Carmen Regina de Oliveira Carvalho – representando o Sindicato dos Jornalistas – lembrou que existe um risco real de que a “nossa imprensa não consiga fazer um trabalho responsável”. Ela disse que não existe liberdade de imprensa sem liberdade de expressão, afirmando que “só com essa liberdade podemos garantir aos profissionais e empresas de comunicação a realização de um trabalho pleno no exercício da profissão”. Disse que o papel da imprensa é levar à população a informação mais neutra possível. “Precisamos fazer um trabalho com responsabilidade e que também passe pelo crivo da sociedade”. Citou casos de agressão a jornalistas nessa época de pandemia, falta de espaços seguros para os profissionais trabalharem, como tem acontecido em Brasília, e pediu mais respeito à categoria.
Imprensa costumeiramente perseguida por tiranos – O comentarista Paulo Nunes apontou que o impulso de tentar calar vozes contrárias parece habitar a todos. “Parece que dentro de cada um existe esse jeito tirano de ser”, apontou. Nunes disse que a liberdade de imprensa está exposta a várias possibilidades de ataques. “Existem vários tipos de cerceamento da liberdade de imprensa, o primeiro é o corte de verbas institucionais. Às vezes isso não funciona e você passa pelas ameaças, as agressões. Os meios de comunicação são controlados por grupos econômicos ou religiosos, logo, você tem que rezar naquela cartilha, do contrário você começa a sentir a censura dentro do seu próprio veículo de imprensa”, explicou.
Paulo Nunes disse ainda que já foi vítima de perseguição em uma emissora de rádio devido aos seus comentários. “Todos se lembram da passagem muito rápida nossa na Rádio Bandeirantes. Eu fazia um programa com meu amigo Elton Becker. O meu querido Elton Becker chegou e disse: ‘a direção da rádio disse que você pode maneirar’”, contou ele, evidenciando o assédio da direção da emissora, o que acabou resultando na sua saída do programa no qual fazia suas análises. “Isso acontece em quase todos os veículos de comunicação do mundo”, lamentou Paulo Nunes.
Direitos são conquistas históricas – A advogada Maria Carvalho, que representou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), subseção Vitória da Conquista, afirmou que o Direito não existe sem o estado democrático de direito. Ela frisou que democracia e liberdade de expressão são conquistas históricas e citou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que assegura esses direitos. Para ela, a manutenção da legislação que garante essas conquistas depende de uma luta cotidiana, processo no qual o advogado tem papel fundamental. A advogada ainda ressaltou que o processo de melhora da educação é condição prioritária para o fortalecimento da democracia.
A necessidade do combate diário às fake news – O chefe de redação da TV Sudoeste, Eduardo Lins, salientou que as fake news nada mais são do que a mentira e que elas devem ser combatidas diariamente e quem trabalha com jornalismo sabe como é difícil trabalhar num país que não tem democracia, apesar de não ser o caso do Brasil. Eduardo também salientou que todos têm
seu lado político, mas no jornalismo é preciso trabalhar para a comunidade e garantir que todas as pessoas digam o que pensam, mesmo que não haja concordância. “A informação quando é bem checada não vai prejudicar ninguém”, comentou, e finalizou dizendo que há intolerância em todos os lados políticos.
Manifestações de ódio de uma extrema direita – O professor Dirley Bonfim fez uma reflexão das manifestações populares no Brasil e citou o ano de 2013, lembrando que “daí se começaram os discursos de ódio, principalmente na política, em que se trata o adversário como inimigo e não como simples adversário político”. Ele citou o sociólogo e professor Jessé Souza, que traz a reflexão sobre o discurso do ódio, “impregnado nas manifestações de uma extrema direita que até então estava adormecida”. Dirley relatou ainda os problemas que acercam o ministro da Educação e lamentou a postura do mesmo. Disse que a grande discussão é onde todo esse ódio vai chegar, “fala-se do fechamento dos poderes, de repressão à imprensa, uma gravidade que a democracia está enfrentando”. Segundo ele, “o Brasil está longe de ter uma democracia perfeita, mas é a menos pior. Podemos discutir história, ciência política e tantos outros temas importantes”. Lembrou que os questionamentos são legítimos e “devemos fazer, porque se não fizermos quem fará por nós?”. Finalizou dizendo que “estamos sendo ameaçados pelas ameaças de rupturas”.
Interatividade, colaboração e defesa da privacidade – O jornalista Daniel Silva apontou que, através do Conquista no Insta, criado e mantido por ele no Instagram, tem conseguido aproveitar as ferramentas das mídias sociais em benefício do jornalismo. “Consigo fazer um jornalismo interativo e colaborativo. A notícia pertence a todos os cidadãos”, apontou Silva.
O jornalista ponderou, no entanto, que as mesmas redes sociais têm sido espaço para um grande risco que é a mineração de dados dos usuários. “Gostaria de chamar a atenção para a mineração de dados e o que isso representa para a nossa democracia. Uma sociedade que produz dados que serão utilizados contra essa própria sociedade”, analisou ele, chamando a atenção para a necessidade de reflexão a respeito da privacidade dos usuários, que, em alguns episódios, já foi desrespeitada, com os dados dos usuários sendo utilizados em campanhas eleitorais, como a que acabou elegendo o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Política nasceu como forma de resolver diferenças sem violência – O historiador, professor da UESB e doutor em História Social, Belarmino de Jesus Souza, afirmou que o estado de direito está ameaçado em todos os lugares. Ele fez uma síntese histórica sobre o nascimento e desenvolvimento da ideia e prática da política como uma forma de as sociedades resolverem diferenças sem conflito e violência. A ideia, que nasceu na Grécia e Roma antigas, cedeu lugar a estados monárquicos, com poder centralizado, nos quais os indivíduos eram tratados como súditos. O professor também destacou que princípios liberais iluministas renderam críticas às monarquias e deram base para revoluções como a francesa e a inglesa. Esses processos resultaram na formação de estados liberais e no reconhecimento de direitos dos cidadãos.
Ainda assim, no século XX, o mundo viu prosperar o nazifascismo na Europa e a eclosão da 2ª Guerra Mundial. De acordo com Belarmino, o trauma da guerra levou a reflexões e a um resgate de princípios democráticos. Um exemplo é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Para o acadêmico, o cenário atual é preocupante, pois indícios apontam que o estado democrático de direito corre risco, com a eleição de líderes como Donald Trump e Jair Bolsonaro, que apresentariam semelhanças com a forma de atuação de líderes nazifascistas. O professor afirmou que a democracia não é um sistema perfeito, mas é nele que é possível conviver com as diferenças com civilidade e respeito. Ele ainda ressaltou que não existe democracia sem liberdade de imprensa.