Por Mara Ferraz/ Ascom Uesb
A história e a própria experiência humana nos contam sobre as pandemias que o mundo já enfrentou. O que não nos contam é como será daqui para frente após a Covid-19. Olhar o passado para entender o futuro ou recorrer à ciência são recursos que ajudam a preparar a humanidade para o que está por vir.
Para traçar um cenário, é importante entender que o ser humano se estabelece no mundo por meio de sentidos históricos e temporais que orientam sua maneira de agir, como aponta a professora Caroline Vasconcelos, do curso de Filosofia da Uesb. Assim, quando a humanidade passa por crises sanitárias, ou de outra ordem, é inclinada a ressignificar, dando um novo sentido ao mundo e à forma de viver nele.
Ressignificar o mundo e a forma de viver nele é um dos legados que a pandemia do novo coronavírus deixará para a humanidade.
Ainda de acordo com Vasconcelos, essas mudanças, que ocorrem no âmbito individual e coletivo, são motivadas pelo processo de amadurecimento humano. Utilizando os conceitos do filósofo Martin Heidegger, a docente reflete: “faz parte de nosso modo de ser-no-mundo uma busca pela familiaridade capaz de nos trazer conforto e, até mesmo, certa superficialidade. Isso porque carregamos, ontologicamente, um vazio, um nada, que teima em nos ‘lembrar’ a nossa condição de finitude, vulnerabilidade e de ser-para-a-morte”.
Para ela, devido a essa vulnerabilidade, é natural que o ser humano busque no cotidiano fazeres e práticas sociais que o estimulem a fugir da sensação de vazio. E, quando a sociedade se depara com uma situação como a de pandemia, acontecem dois movimentos. O primeiro é o de retirada das pessoas da sua rotina, desse modo de viver, oferecendo uma sensação de desconforto. Já o segundo, em consequência, é a busca por novos significados em outras práticas. “Isso pode ser um motor de mudanças não só individuais, mas coletivas. A inquietude que as crises instalam pode ser motivadora de mudanças existenciais. É dura, é dolorosa, mas pode ser catalizadora de amadurecimentos”, defende Caroline.
O que esperar do futuro
Como podemos desenhar esse novo cenário, cheio de ressignificações tanto sociais como individuais? O professor Carlos Alberto Pereira, do curso de História da Uesb, aborda as questões econômicas, ambientais, de relações interpessoais e individuais relacionadas a essas transformações.
Ele lembra, que, antes da pandemia, o cenário vivenciado pela sociedade era de um mundo hipermoderno pautado em aspectos positivos e negativos. Agora, “herdeiros de concepções fundadas na premissa de que ‘o mundo pertence ao homem’, os urbanóides hipermodernos estão se deparando com uma experiência reveladora da fragilidade da sua própria espécie”, reflete.
Para o professor, até o surgimento da vacina, o que se tem é a percepção de que as novas práticas sociais serão pautadas pela redução do consumo causada, sobretudo, pelo aumento de desemprego. Com isso, a população poderá mudar o conceito do que é essencial para sua sobrevivência. Além isso, a indústria cultural e o turismo continuarão em queda, devido à necessidade do isolamento social.
A longo prazo, o professor pontua diversas lições que poderão ser aprendidas com a pandemia. A primeira refere-se à necessidade humana de entender que não é uma espécie isolada e que é preciso cuidar do outro como cuida de si mesmo. Além disso, o docente indica a urgência em avaliar qual a relação ideal do Estado com a sociedade. Segundo ele, “políticas ultraliberais, como têm sido praticadas nos últimos tempos, mostraram que, por si só, não funcionam em crises como a atual”.
Novos conceitos serão construídos para o que se entende atualmente de progresso e evolução. Para o historiador, “parcelas da sociedade mundial, por muito tempo, partilharam da ideia de que o progresso, além de inexorável, é contínuo e ilimitado. Para esses segmentos, progresso era sinônimo de crescimento econômico, avanço tecnológico e bem-estar material”. Com a chegada do vírus, essas concepções foram postas em cheque.
Por fim, apesar de não existir fórmulas de como viver esse novo mundo, o professor acredita que a ruptura com o mundo antigo poderá ser normalizada. “É possível que essa inesperada forma de sociabilidade, preenchida por enclausuramentos domiciliares, esteja preparando as pessoas para viverem num mundo no qual frugalidade, vagareza, cooperação e simplicidade transformem-se nas dimensões dominantes do ‘novo normal’”, imagina.