Esse caso ocorreu numa cidade do sertão baiano em que um sujeito vadio, de nome Ovídio de tal – o nome completo era desconhecido por não ter registro. Vivia constantemente embriagado e era utilizado por pessoas inescrupulosas para extravasar sentimentos idiotas e agredir os seus desafetos, incitando-o a proferir impropérios difamadores contra os seus inimigos.
Era comum naqueles tempos dos coronéis e, acho que até hoje, a prática é igualmente professada em certos lugares – os chefes políticos indicarem delegados de polícia que lhes sejam subservientes e atendam aos seus interesses políticos. Antanho, esse procedimento dava aos sobas muito prestígio político, porquanto, mandava prender e soltar os delituosos a depender das suas conveniências de politiqueiro como sói acontecer nesses sertões de meu Deus.
Ovídio era conhecido, também, pelo epíteto de, “É pra falar”, uma frase que ele pronunciava repetidamente quando se encontrava bêbado, um estado quase permanente. “É pra falar”, um anão analfabeto, pária da sociedade, humilde, palrador, inofensivo, hilário pelas suas patacoadas, era querido da comunidade. Sem eira nem beira, vivia de biscates, carregando feira de pessoas da elite, inclusive a do delegado que fora importado pelo chefe político e prefeito, sob a alegação de por ordem na cidade. Na verdade o fito era intimidar seus adversários.
O delegado era uma pessoa tida como valente, abusava do exercício da autoridade de que estava investido e se julgava superior. Investia ele próprio, contra os delituosos quando as situações exigiam reprimenda e firmeza de ação. Prepotente e arrogante fazia justiça segundo o seu critério. Era ao mesmo tempo autoridade policial e judiciária, considerava-se um guardião da lei, da moral e dos bons costumes.
“Em terra de cego, quem tem um olho é rei”.
Certa feita, o vadio beberrão fora persuadido e estimulado por inimigos do prefeito a lhe destratar. Após receber um copo de cachaça, postou-se sobre um banco do jardim da praça em frente à casa do alcaide, para previamente orientado pelos mandantes, proferir acusações e xingamento agressivos, que os reproduzia, acrescentando em seguida o slogan que o nomeava: É pra falar… É pra falar!
O prefeito chamou o delegado e mandou prendê-lo com a recomendação de não o espancar, pois o baderneiro embriagado, não era dono de seus atos e palavras, mas, instrumento manipulado por indivíduos viperinos – atrevimento de seus desafetos.
O detrator fora preso e, como punição, o delegado mandara transportar um monte de pedras do quintal da delegacia de um local para outro e vice-versa, por várias vezes. Cansado, exausto, com o suor aos borbotões a escorrer pelo corpo, sarou a carraspana.
Não suportando mais a humilhação, criou coragem e num ímpeto de indignação, fez-se audacioso e se dirigiu ao delegado protestando: “Não aguento mais!”. “Isso é o verdadeiro comunismo!”. O delegado o advertiu e verberou com autoridade: “Aqui não tem nenhum comunista, mequetrefe!”. “Da próxima vez que ofender o prefeito leva porrada, entendeu?”. Ato contínuo liberou o preso.
Esse conceito de “É pra falar” sobre o comunismo, segundo a sua intuição, era uma visão pelo que ouvia falar das atrocidades dos comunistas.