As adolescentes Nenzinha e Licinha ao se conhecerem houve uma atração muito grande de afinidades, respeito e sinceridade. Atitudes que em conversas amenas elas se transformaram em confidentes de problemas e aventuras comuns ao seu tempo.
Numa reunião de amigos para se divertir, dançar e ouvir músicas, coisas da juventude de então. Realizavam brincadeiras ingênuas, não comprometedoras, diferentes das de hoje, que em tais circunstâncias, rolam drogas e maledicências.
Diante da amizade construída elas combinaram adotar uma boneca de louça (produto industrializado existente na época). Colocaram o nome de Angélica – antropônimo escolhido por ser uma planta de flores brancas, cujo perfume inebria a todos e por ser formosa e pura – e decidiram que ambas cuidariam como se fosse uma filha de verdade. Compromisso feito e combinado. Gesto de afeição, simpatia e estima que as uniam.
Fizeram uma festa para o batizado da boneca Angélica, com toda pompa e circunstância. Convidaram os amigos para realizarem o evento. Um dos presentes exerceu a função de padre que paramentado adequadamente para a função efetuou o seu ofício a rigor: chamou os convidados, as madrinhas e padrinhos escolhidos e realizou o ato respeitosamente como convém o ritual. Pegou um recipiente com água e bradou alto para que todos ouvissem a pregação: “Te batizo ‘Angélica’ em nome do Senhor, para remissão de teus pecados, recebei o dom do Espírito Santo, para sempre, Amém”. “Que os padrinhos assumam a responsabilidade de juntos, criarem como filha verdadeira a quem acabamos de batizar”.
Após a cerimônia houve comes e bebes, troca de ideias e muitas histórias a respeito das amizades sinceras. A partir de então quando os padrinhos do batismo se encontravam com Licinha/Nenzinha, tratavam-nas efetivamente com respeito e dignidade por comadre. Licinha/Nenzinha que se encarregaram de proteção da boneca quando se reuniam era motivo para muita prosa. O bate-papo de ambas, entre outros, girava em torno da protegida pela qual assumiram a obrigação dos cuidados.
Certo dia, inesperadamente, Nenzinha recebe um recado de Licinha que a chamava com urgência. Como a distância entre as casas era curta, a solicitada foi às carreiras e encontrou a amiga agonizante. Esta no estertor da morte inesperada a recomendou cuidar bem da sua filha referindo-se à boneca. Solteira, e por não ter filhos, a boneca servia-lhe de consolo e preocupação de ‘mãe’. Pediu que tomasse conta da ‘filha’ com todo carinho e zelo, finando-se em seguida, para desespero de todos que a conhecia e sabia do seu procedimento exemplar.
Licinha faleceu em paz. Morreu tão imaculada como nasceu pura e de sentimentos nobres. Merece, pois, o acolhimento no Reino dos Céus. Era admirada por todos os conhecidos pelos seus gestos caritativos de solidariedade e magnanimidade e de compreensão das desditas humanas, prestaram homenagem à Licinha desejando o acolhimento divino.
Esse relato foi feito por dona Nenzinha que falou de um sentimento de amizade, do relacionamento pessoal, de um grande apreço, admiração e afeto pela amiga, um ser humano de procedimento moral exemplar, de estima e consideração, de companheirismo e respeito, uma amizade que se traduziu numa ligação de afinidades e que houve reciprocidade. Hoje em dia, talvez não se encontre amizades com essas características.
Nenzinha: Benvinda Novaes Jardim.
Licinha: Licinha de Almeida.