O jogo do bicho recebeu esse nome quando foi lançado em janeiro de 1893 por João Batista Viana de Drummond, o barão de Drummond, dono de uma chácara com um pequeno Jardim zoológico localizado em Vila Isabel, no Rio de Janeiro. Em 1905 já funcionava em todo o Brasil. O objetivo era conseguir recurso para manter os animais e toda a estrutura do zoológico que contava com a subvenção Federal que auxiliava na manutenção dos animais e depois foi cortada.
O barão aceitou a proposta do mexicano Manuel Ismael Zaveda e inaugurou o jogo do bicho. Os visitantes eram estimulados a participarem dos sorteios, jogando em pules com a imagem do bicho. O jogo se compunha de 25 bichos: 1. Avestruz; 2. Águia; 3. Burro; 4. Borboleta; 5. Cachorro; 6. Cabra; 7. Carneiro; 8. Camelo; 9. Cobra; 10. Coelho; 11. Cavalo; 12. Elefante; 13. Galo; 14. Gato; 15. Jacaré; 16. Leão; 17. Macaco; 18. Porco; 19. Pavão; 20. Peru; 21. Touro; 22. Tigre; 23. Urso; 24. Veado; 25. Vaca. Cada bilhete trazia o desenho de um bicho. Comprando o bilhete, concorria-se a um prêmio e restava esperar pela sorte.
O jogo do bicho caiu nas graças da população e se alastrou entre a camada de baixa renda. Jogava-se das capitais até as povoações menores, era um sucesso nacional. Os banqueiros (donos das bancas) controlaram o jogo do bicho até o ano de 1944, quando foi proibido pela Justiça. O governo considerou-o ilegal, pois se tornara uma prática diária, um vício dominador, irresistível para milhões de brasileiros.
Diante da repressão, os banqueiros se viram na contingência de subornar policiais e autoridades para manter o negócio. Os banqueiros gananciosos se enveredaram pelos descaminhos do contrabando de toda ordem, para aumentar os ganhos e suprir as despesas, entrando para o mundo do crime: drogas, armas, política e corrupção generalizada. Com o status de benfeitores eram vistos pela população pobre como altruístas. Segundo Roberto Campos, “Tudo que é totalmente proibido é ligeiramente permitido”. O jogo do bicho, apesar da repressão pela ilegalidade constituída, é até hoje praticado, pois o Estado não conseguiu debelar essa ilicitude. (Pesquisas no Dicionário Folclórico Brasileiro de Luís da Câmara Cascudo e Rodrigo Constantino no livro intitulado Prisioneiros da liberdade).
Esse comentário é para destacar o caso de um analfabeto funcional, como se denomina atualmente o iletrado. Assim é que um morador da cidade de Iaçu, um especialista em contar anedotas, piadas, causos e histórias de domínio popular, conhecedor de grande repertório, adaptando-os às circunstâncias, relatou-me o seguinte: um indivíduo, moreno cabo-verde, vindo do Rio de Janeiro, chegou, nos tempos de antanho, à vila de João Amaro, com a finalidade de instalar uma banca de jogo do bicho. Dizia-se protegido de um grande bicheiro do Rio de Janeiro (Castor de Andrade). Reforçava: é bicheiro com “B” maiúsculo mesmo! É um homem de muito prestígio com os “grandes do poder”.
O mencionado vestia-se de modo peculiar: terno, gravata, chapéu panamá, sapato duas cores, branco e marrom, o qual simboliza o malandro carioca. Parlapatão, espirituoso e empático, conquistou a simpatia de todos. Alugou um salão e contratou um garoto para servir-lhe de ajudante. Instalou e inaugurou a casa de jogo “A Sorte” com grande festa e pirotecnia, chamando a atenção de todos os moradores da vila.
Naquela época, não havia a tecnologia de hoje para as apurações dos resultados, de maneira que o sistema consistia em escrever o nome do bicho num papel, enrolá-lo e colocá-lo numa caixa de papelão, lacrá-la de maneira a ficar inviolável e expô-la pendurada à vista de todos. No final da tarde, às 18h em ponto, o dito cujo avisava aos apostadores, através das badaladas de um sino, o início da apuração. Em seguida, abria a urna e anunciava o nome do bicho. Assim era feito o sorteio do jogo, de modo bastante rudimentar, pela falta de outro meio mais adequado para executá-lo.
Um jogador, muito esperto e ardiloso, induziu o garoto a espreitar o bicheiro quando estivesse escrevendo o nome do bicho a por na caixa, prometendo-lhe dividir o prêmio. O menino, muito ladino, ficou alerta e, dissimulando as suas intenções, colocou-se atrás do banqueiro quando este escrevia o nome do bicho a ser sorteado. O patrão, porém, muito desconfiado, velhaco e malicioso, enxotou o garoto, alegando segredo e a lisura do procedimento.
O jogador indigitado foi informado pelo menino ajudante que não fora possível cumprir por completo a missão, pela desconfiança do banqueiro do bicho. Vira apenas a primeira letra “A”. No jogo do bicho, só existem dois grupos que se iniciam com a letra “A”: Águia e Avestruz. A notícia espalhou-se entre os apostadores que descarregaram seus palpites nos dois bichos, e corria entre eles o zum-zum-zum de que o bicheiro, dessa vez, quebraria.
Na hora da apuração, o salão ficou superlotado, quase toda a população da vila havia feito uma aposta. O entusiasmo do bicheiro era muito grande pela quantidade das apostas, e surpreendeu-se ao ver a casa tão frequentada. Às 18h em ponto (essa gente do bicho cumpre rigorosamente o pactuado com os usuários), exibiu a caixa por todos os lados, demonstrando que se encontrava intacta, inviolada e começou a abri-la. Rasgou o lacre e, tirando o papel, anunciou o bicho sorteado, como sempre fazia, pronunciando a primeira letra provocando suspense na plateia.
O bicheiro anunciou o resultado: O bicho de hoje, É… É…, A… A… A…, AAAA…, despertando suspense e expectativa na plateia. Finalmente declarou altissonante, escandindo a palavra. O bicho É, A – LU – FAN – TÊ, expondo o papel para que todos tomassem conhecimento.
A frustração dos expectadores foi geral, e todos perderam dinheiro, somente a casa ganhou nesse dia, para alegria do banqueiro e decepção dos apostadores. Não se sabe ao certo se o malandro e experiente banqueiro, desconfiado da atitude do menino, escreveu trocando a letra, por sagacidade e malícia, ou escreveu incorretamente o nome do bicho por ser semianalfabeto.
Deixo à reflexão o ditado: “Quem muito quer traz de casa”.
Antonio Novais Torres
antoniotorresbrumado@gmail.com
Brumado, em 04/10/2009.