É costume entre amigos e até mesmo entre familiares colocar apelido nas pessoas quando criança ou adolescente. A depender da alcunha, alguns são de significação pejorativa. Quando na idade adulta, com a ascensão a cargos importantes na sociedade, causa constrangimento, com quem conviveu em tempos passados que abusa da intimidade ao revelar em local indevido o apelido, devido à liturgia do cargo. Há porem de se considerar a reputação do exercício profissional, o qual deve ser observado com respeito.
Trabalhei numa concessionária de automóveis como chefe de escritório de oficina e tinha contato direto com mecânicos e ajudantes, com o pessoal da casa de peças e todos me tratavam por Toe, Toezinho, Tonico, devido ao meu nome ser Antonio, e até brincadeiras indevidas.
Ao ser transferido para a chefia de departamento de pessoal e tesouraria da empresa, o diretor financeiro orientou-me a exigir dos colegas um tratamento pessoal respeitoso, digno do novo cargo, impondo-me, quanto a isso, que eu fosse tratado de senhor Antonio ou senhor Torres – o meu sobrenome. Essa foi uma tarefa difícil devido ao costume das pessoas tratarem-me, na intimidade, por apelidos. Fiz o possível para cumprir esse desafio.
Com o passar dos dias, um garoto adentrou-se na tesouraria da empresa procurando por “Tipita”, que traduzido significava “tio Pita”, uma maneira familiar de tratamento. Fui até a sala dele e falei que se encontrava na tesouraria um rapaz procurando por “Tipita” e se ele conhecia alguém na firma com esse nome. Retorquiu: “Mande esse moleque vir”. Desse dia em diante, deixou de fazer as exigências, bem como passou a tratar-me pelo apelido de Toezinho.
Milton Chefe, um centroavante da Portuguesa local, excelente futebolista, tinha por habito apelidar as pessoas. Essa era uma das suas especialidades. Utilizava-se de uma qualidade da pessoa, defeitos e ou outra característica e apelidava o indivíduo; exemplos: Bafo-de-Onça, Bem-te-vi, Peito de Aço, Asa-Branca, Profeta, Veludo e outros. O apelido pegava e passava a fazer parte do cotidiano das pessoas, que, de bom ou malgrado, assim eram conhecidos. Esse é um costume bem antigo.
Certa pessoa foi a um local onde um amigo de infância trabalhava, exercendo cargo importante, para visitá-lo. Compenetrando-se da intimidade com a pessoa de alta qualificação profissional, anunciou-se para a secretária, procurando o amigo pelo apelido de cunho pejorativo. Ela, que sabia da alcunha, discretamente, fez ver ao visitante que não conhecia ninguém com aquela denominação. Arrogante e pretensioso, ele pronunciou: “Diga ao seu chefe que se encontra aqui um amigo dele de infância, querendo falar-lhe”. Diante dessa atitude, a secretária, após consultar o chefe, permitiu ao cidadão o seu acesso ao gabinete.
A liturgia do cargo deve ser respeitada, mas, infelizmente, muitos entendem que a intimidade da infância lhes dá o direito de desrespeitar a importância do cargo, denominando as pessoas pelo apelido sem qualquer cerimônia.
O escritor Sebastião Nery, em seu livro sobre o folclore político, conta a seguinte história:
Coronel Terêncio Dourado era comandante da Polícia Militar do Estado. Mandou Ofício para um Juiz.
“Senhor Juiz”
O Juiz retornou o ofício e o recomendou a tratá-lo dessa forma:
“Sua Ex.ª Trate-me por Exmo. Senhor Juiz”.
Coronel Terêncio Dourado recebeu o ofício de volta e retornou com um bilhete:
“Senhor Juiz, Deus, que é Deus, eu chamo de Senhor, quanto mais o senhor que é só juiz!”.
Os operadores da justiça devem respeitadas e tratadas conforme as formalidades do cargo. O tratamento exige reconhecimento da hierarquia do cargo. O formalismo exigido no meio jurídico é o reflexo da relevância da autoridade do cargo determinado pelo o regimento interno dos tribunais, portanto que os procedimentos sejam obedecidos. Não se deve esquecer que o magistrado, promotor e advogado são representantes da justiça brasileira.
O delegado não cumpriu com o tratamento oficial e o Juiz, por sua vez, sentindo-se diminuído, apelou para a vaidade pessoal.
Antonio Novais Torres
antoniotorresbrumado@gmail.com
Brumado, em 24/12/2000.