Assim como muitas espécies, o ser humano é um animal gregário. Ele precisa pertencer. É imperativo para a sobrevivência adaptar-se ao grupo uma vez que, quanto maior a colaboração no interior do grupo, maiores são as chances de sobrevivência, ou seja, otimizar a obtenção de recursos sob as diversas condições do ambiente. Aqueles que otimizam o pertencimento sobreviveram e se reproduziram com mais êxito, ou seja, seus genes com o tempo predominaram, lei da seleção natural. O etólogo Boris Cyrulnik adverte que “Não pertencer a ninguém é tornar-se ninguém”.
“Sem amigos, ninguém escolheria viver, ainda que tivesse todos os outros bens”, escreveu Aristóteles em Ética a Nicômaco. Temos uma necessidade de nos afiliarmos uns com os outros e até de nos tornarmos fortemente ligados a algumas pessoas em relacionamentos íntimos e duradouros.
Para garantir a eficácia do pertencimento e evitar a rejeição, geralmente nos adaptamos aos padrões dos grupos e buscamos causar impressão favorável. Para ganhar amizade e estima, monitoramos nosso comportamento, na esperança de criar as impressões certas. Buscando amor e pertencimento, investimos uma grande porção de energia psíquica – tudo motivado pela nossa busca de aceitação.
A necessidade de pertencimento alimenta tanto as ligações profundas quanto os riscos ameaçadores. Pela nossa necessidade de definir um “nós” se constituem o afeto familiar, as amizades leais e o espírito de equipe, mas também as gangues de adolescentes, as rivalidades étnicas e o nacionalismo fanático. O medo de ficar sozinho parece pior que a dor do abuso emocional ou físico. A necessidade do vínculo, em alguns casos, mantém pessoas em relações abusivas. Nosso medo de ficar sozinhos tem alguma base na realidade. Crianças que mudam de lares de adoção várias vezes, com sucessivos rompimentos dos laços afetivos, podem vir a ter dificuldade para estabelecer laços profundos. Crianças criadas em instituições sem um senso de pertencer a alguém, ou trancadas em casas sob condições de extrema negligência, se transformam em seres patéticos – recolhidos, assustados, calados.
Pesquisas evidenciam que a necessidade de nos afiliar ou de pertencer – o sentimento de conexão que nos identifica com outras pessoas – tem valor de sobrevivência. Os ambientes que favorecem nossa necessidade de pertencimento também proporcionam um melhor funcionamento de nosso sistema imunológico. Os laços sociais e a sociabilidade positiva até mesmo conferem maior resistência.
O processo do desenvolvimento psicossocial comporta os dilemas da adaptação social. Sabemos que a necessidade de inclusão na coletividade faz parte do processo evolutivo da espécie. Não só fisicamente, mas também do ponto de vista emocional e psicológico, o ser humano depende de relacionamentos para se desenvolver e conhecer. O bebê faz malabarismos para chamar a atenção dos seus cuidadores. Sem comida e sem afeto, ele morre. A dor sentida em um processo de rejeição ou isolamento é análoga à dor física.
É assim que a espécie sobrevive, mas qual é o custo do pertencimento? O que ocorre com o indivíduo? Muitas vezes, para se adaptar ao grupo, o indivíduo sacrifica sua essência original. Vive a vida dos outros sem autenticidade e a expressão singular da sua substância original, da sua estrutura íntima. Afinal, como ser adaptado e, ao mesmo tempo, integrar os conteúdos da alma que a mantém única e original, embora sejam socialmente recusados ou pessoalmente reprimidos? Essa é a questão que divide o ser humano: o dilema entre o ser e o pertencer! Trata-se de um desafio constante, longo e intenso para que o grupo, a sociedade massificada, os vizinhos, os colegas de escola e/ou de trabalho, as regras, a empresa, a convivência social ou até mesmo um amor não se tornem coerção, cerceamento, intimidação, tirania, opressão.
O Psiquiatra e fundador da Psicologia Analítica advertia: “Toda vida é vida individual e aí reside seu fim último”. Para Jung, a origem de toda neurose é a impossibilidade de viver a vida com singularidade.
Por vezes, são crises existenciais que nos apresentam uma oportunidade de reexaminar a nossa vida e fazer a pergunta por vezes assustadora e sempre libertadora: “Quem sou eu além da minha história e dos papéis que interpretei?” Quando descobrimos que, em nome da adaptação ao grupo, vivemos um falso eu, que temos representado, impelidos por expectativas irrealistas, nós nos abrimos finalmente para a possibilidade e para a aventura da nossa verdadeira individualidade.
Somos desafiados a transgredir muitas normas, incluindo a gramática, e passar a escrever a palavra pertenSer com “s” inventando com esse significante um novo significado para a vida, imaginando uma experiência comunitária que colabora para satisfazer a necessidade de pertencimento e, ao mesmo tempo, “traz à tona o que está dentro de ti”.
Somos desafiados a transgredir muitas normas, incluindo a gramática, e passar a escrever a palavra pertenSer com “s” inventando com esse significante um novo significado para a vida, imaginando uma experiência comunitária que colabora para satisfazer a necessidade de pertencimento e, ao mesmo tempo, “traz à tona o que está dentro de ti”.