Dados da OMS mostram que o Brasil é o campeão mundial de pessoas ansiosas. Neurocientista mostra os fatores que levaram o país a ostentar esta preocupante marca.
Por: Fabiano de Abreu
O Brasil é o grande campeão do mundo. De futebol? De vôlei? Nada disso. O país ostenta um título nada agradável: O de maior número de pessoas ansiosas no planeta. Os números foram alcançados em um estudo realizado em 2019, quando a Organização Mundial da Saúde revelou que 18,6 milhões de brasileiros estão sofrendo com problemas neste sentido.
E o índice pode ser ainda maior, pois os dados foram levantados antes da pandemia do coronavírus. Além disso, os pesquisadores avaliaram que 3,6% dos homens brasileiros apresentam o problema, enquanto no caso das mulheres o número alcança 7,7%.
Autor de artigo científico sobre o assunto, o PhD, neurocientista, psicanalista e biólogo Fabiano de Abreu acredita que “estarmos vivendo um coletivo de transtornos de personalidades dramáticas é devido a sintomas de perturbações que tem como precursor a ansiedade. O conceito foi aprovado pelo comitê científico e publicado; o estudo visa chamar a atenção do que venho tentando alertar desde antes da pandemia, sobre os riscos da ansiedade fora da homeostase e a necessidade de nos mobilizarmos para cuidar da saúde mental de todos”.
O problema, lembra Fabiano, é que na maioria das vezes, quem sofre desses transtornos não reconhece isso e não gosta nem de ouvir falar em saúde mental. Isso acontece porque há um mix de sintomas como: negacionismo, inveja, negação, pensar ter razão mesmo sem base de conhecimento, raiva, ignorância, falta de empatia, falsa sensação de poder, entre outros que resultam em um ciclo que prejudicam na inteligência, memória, atenção, fadiga, oscilações emocionais, entre outros sintomas”.
Mas por que isso acontece? Segundo o neurocientista, “o córtex pré-frontal, região da inteligência lógica e tomada de decisões se conecta ao sistema límbico, região das emoções e quando essa última região encontra-se em disfunção devido às perturbações derivadas da ansiedade, esta conexão entre as regiões encontra-se prejudicada, prejudicando também na inteligência e no comportamento”.
Além disso, Fabiano lembra que a palavra ansiedade assume dois significados, o que pode ajudar a compreender melhor a dimensão deste problema. “Um sentido é o de pendência; existe para que possamos buscar uma solução como mecanismo de defesa derivado do instinto de sobrevivência. O outro diz respeito aos pensamentos negativos; isso ocorre pois ela busca na amígdala cerebral as soluções, o que faz total sentido, já que precisamos lembrar de situações negativas para não passarmos por aquilo novamente, ou uma nova vez e para que nos dê opções de melhores saídas. Por isso memorizamos melhor na emoção, o impacto reforça engramas de memória para que possamos logo encontrar a solução para melhor sobrevivermos”.
Quando se fala neste transtorno mental, uma das palavras mais mencionadas é a dopamina. Segundo o neurocientista, ela significa recompensa: “Neurotransmissores como dopamina, serotonina, melatonina, adrenalina, entre outros, funcionam como mediadores de humor, trazendo sentimentos de recompensa, felicidade, euforia, satisfação e o organismo busca através da ansiedade um meio de liberá-los em maior quantidade para que possamos seguir adiante e resolver os pensamentos negativos e também novas conquistas para evoluirmos como meio de sobrevivência”.
Fabiano cita as 10 principais razões que levaram o Brasil a conquistar este “título”:
1 – Violência – “Há muita violência e o nosso cérebro entende, mesmo inconsciente, que estamos em risco de vida. Este é o grande ativador da ansiedade. Estamos sempre alertas para o que pode acontecer na rua ou dentro de casa. Sociedades mais pacíficas com baixo índice de violência são menos ansiosas, mesmo as mais pobres”.
2 – Pandemia – “Por mais que há quem negue o vírus, saber que ele existe e o risco de contraído aciona a ansiedade”.
3 – Confinamento – “Mudar a rotina gera pendência, que por sua vez é a ansiedade. Sentimos falta, mesmo que inconsciente, daqueles hábitos cujos neurônios estavam adaptados e já havia criado a plasticidade sobre esses hábitos. Sua mudança eleva bastante a ansiedade”.
4 – Internet – “Buscamos nas redes sociais uma maneira de liberar neurotransmissores da felicidade, conquista e recompensa, mas também encontramos uma atmosfera negativa e ambos os fatores elevam a ansiedade. A produção constante de dopamina leva ao vício para mais liberação, aumentando assim a ansiedade para que libere mais deste neurotransmissor”.
5 – Política – “Todos os acontecimentos levam ao receio, que aumenta a ansiedade sob as expectativas. Fora a atmosfera de revolta que eleva o estresse e por sua vez uma disfunção devido a ativação de hormônios que combatem o estresse. A ansiedade constante também leva ao aumento da produção do cortisol que por sua vez afeta o sistema imunológico. O Brasil por ser o povo mais ansioso, logo é o que tem a imunidade mais afetada, uma das razões para o maior número de mortes por Covid-19”.
6 – Diferença social – “Vivemos em uma sociedade que almeja riqueza e está culturalmente projetada em telenovelas e na rede social. Esta necessidade causa pendência que aumenta a ansiedade e eleva a competição. Não conseguir o que almeja também aumenta a ansiedade, como expliquei, está vinculada a pendência”.
7 – Problemas na Educação – “Quanto mais conhecimento, mais opções de escolha para melhores saídas. Com o nível educacional baixo, não só há problemas de fortalecimento neuronal na região da inteligência mediante a plasticidade cerebral, como também menor uso da inteligência emocional para controlar a emoção. A leitura é crucial para que a neuroplasticidade reforce a região da inteligência lógica que orquestra as demais inteligências”.
8 – Uma sociedade em casa – “Devido a tecnologia e a grande concentração de pessoas nas grandes cidades, hábitos que sofrem também a influência da violência como ficar maior tempo em casa, eleva a ansiedade. Isso também ocorre pois temos uma memória genética, determinada por milhares de anos de evolução, nela está impressa a necessidade de interação humana, vínculo com a natureza, deslocamento e metas realmente eficientes. Essa falta que eu chamo de falha proporcionada ao código genético, causa uma pendência inconsciente e esta, por sua vez, eleva a ansiedade. Tenho isso mais detalhado em um dos meus artigos científicos”.
9 – Educação infantil – “Devido a este cotidiano atribulado, onde no Brasil tem que se trabalhar mais para conseguir pagar altos impostos e manter uma “boa qualidade de vida” em condomínios, deixamos de dar mais atenção às crianças e passamos fornecer equipamentos eletrônicos para que elas pudessem se distrair, causando assim perturbações relacionadas a ansiedade como TOC, TDAH, entre outros transtornos infantis. Essa geração cresce e torna-se mais ansiosa que a geração anterior. Inclusive, tenho publicado em um artigo de 2018 comprovações de que a internet está deixando as crianças menos inteligentes que no passado. Atividades lúdicas para a psicomotricidade, atenção às crianças, satisfazer a criança na sua fase de curiosidade, criando assim uma personalidade curiosa que buscará cada vez mais conhecimento, são fatores cruciais para uma geração futura”.
10 – Economia – “A economia é um dos fatores mais importantes para a qualidade da saúde mental, com contas pagas, estamos livres e o receio de não conseguir pagar uma conta eleva a ansiedade para que possamos buscar logo uma solução e não sofrer consequências da falta de dinheiro”.