Nascido em 19 de setembro de 1921 e falecido em 02 de maio de 1997, este ano comemoramos o centenário de nascimento do grande educador brasileiro Paulo Freire, referência internacional, definitiva, sobre os fundamentos do processo educacional, especialmente de jovens e adultos, universo no qual realizou sua experiência seminal de alfabetização, que serviu de base para a elaboração de uma concepção pedagógica mais geral e que se tornou um verdadeiro paradigma revolucionário da dinâmica ensino/aprendizagem.
Perseguido e exilado em 1964 pela Ditadura militar, Freire se tornou um cidadão do mundo e um peregrino da educação. Foi professor de grandes universidades estrangeiras, entre as quais a emblemática Howard, e colaborador de vários projetos em diferentes países. Retornou ao Brasil, 15 anos depois, em agosto de 1979, logo após a anistia. Em 1980, filia-se ao PT e a partir de então contribui com os debates e reflexões, especialmente entre os militantes dos movimentos sociais e educadores, sobre os mais diversos aspectos da educação no Brasil.
Em 14 de outubro de 1983 ele esteve em Vitória da Conquista, a convite da Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia), para ministrar palestras e “conversar” com professores e alunos dos cursos de licenciaturas e docentes das redes pública e particular de ensino, em evento aberto à comunidade interna e externa. Logo após a palestra, Paulo Freire se dispôs a manter um diálogo/entrevista com alguns militantes sociais, ocorrido no Colégio Sacramentinas, discutindo sobre alguns temas/problemas inerentes às relações entre educação e política.
Importa ressaltar que os docentes da Faculdade de Formação de Professores, unidade da qual se originou a Uesb, periodicamente promoviam eventos de natureza acadêmica que propiciavam, mesmo nos fins dos anos 70 e início dos 80, quando ainda vigorava um regime ditatorial em nosso país, espaços públicos para debates de temas educacionais permeados por conteúdo político-ideológico. Sem dúvida, a presença de Paulo Freire entre nós, naquele momento, foi um dos eventos mais expressivos para a contribuição da formação de um pensamento crítico e reflexivo sobre a práxis educacional e a conjuntura histórica que o país vivenciava.
Participei desse diálogo enquanto presidente da Adusb (Associação dos Docentes da Uesb), problematizando alguns temas da relação entre política e educação, juntamente com os militantes sociais José Carlos Duarte e Elias Dourado, que se tornariam, posteriormente, docentes da Uesb e dirigentes da Adusb. Paulo Freire autorizou a gravação da entrevista, cuja fita k-7 ficou “perdida” por muitos anos, mas, felizmente, foi recuperada pelo autor do registro, jornalista José Carlos, que a editou e a publicou na Revista Brasileira de Educação de Jovens e Adultos, veja link.(https://www.revistas.uneb.br/index.php/educajovenseadultos/.)
Durante os anos seguintes, décadas afora, tanto a UESB quanto o movimento sindical dos professores, em suas diferentes conformações, cultivaram a prática dos debates públicos e formulações sobre os rumos da educação em Vitória da Conquista e Região. Essa tradição esteve presente, também, nas gestões do PT, que formalizaram inúmeras instancias democráticas de participação popular e interlocução acerca da problemática educacional, experimentando tensões e construindo consensos em torno do tema.
Em um momento em que detratores desqualificados e ignorantes divulgam bobagens e agridem a obra de Paulo Freire, especialmente nas redes sociais, é importante que todo cidadão procure entender os princípios das teorias e práticas freirianas, que têm como centralidade dotar os indivíduos de uma capacidade de compreensão do mundo natural e entender a racionalidade do funcionamento da sociedade.
A rigor, os fundamentos teórico-metodológicos sistematizados por Paulo Freire tomam como premissa a tese de que o ato de ler e escrever é uma forma de descobrir e situar-se no mundo por parte dos educandos. Nesse processo, o ato de educar deve ser também um movimento de compreender o funcionamento da sociedade, de sua racionalidade, e do papel que as atividades humanas exercem na transformação da natureza e na conformação das estruturas sociais, bem como das contradições e conflitos que se originam no interior dessas diferenciações sociais.
Que as novas gerações possam tirar algumas lições das experiencias de militantes que aliaram a luta pela democracia, pela liberdade do ato de ensinar e pela valorização da profissão docente. E que nunca mais tenhamos as obras de Paulo Freire proibidas, como foram muitos dos seus escritos no período da ditadura, e que possam ser lidas e interpretadas livremente, em todos os recantos desse país. E que nunca mais alunos dos cursos de educação, curiosos e críticos, tenham que ler, escondidos, como eu e muitos colegas, os seus textos em fotocopias gastas de tantos manuseios, porque além de proibidas eram poucas.
Viva 15 de outubro, dia do professor!